JACQ, Christian. O Faraó Negro. Tradução de Maria D. Alexandre. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
PIANKHY E A REUNIFICAÇÃO DO EGITO
Christian Jacq é um egiptólogo e romancista francês, autor de obras de grande sucesso no Brasil e no mundo. Suas histórias, que prendem o leitor por serem recheadas de amor e aventura, são baseadas em fatos históricos embasados em pesquisas empreendidas com documentação produzida na época em que se passam os eventos narrados pelo enredo.
No livro O Faraó Negro, Jacq narra a aventura empreendida por Piankhy, um rei de origem núbia1, para unificar o Egito sob o poder um único governante. A história é baseada, segundo informa o próprio autor, em um grande monumento sobrevivente do reinado de Piankhy, uma estela que narra o processo de unificação das Duas Terras nas palavras do próprio faraó. Tal monumento foi descoberto no século XIX, por um oficial egípcio do governo sudanês, próximo ao local onde se localizava a cidade de Napata, a antiga capital do reino núbio.
É interessante observar que os fatos narrados no livro, que muitas vezes parecem fantasiosos pela entonação dada pelo autor, estão descritos tal e qual aparecem no documento original. Piankhy foi um rei que tentou restaurar a antiga grandeza do Egito, tal como narrado por Christian Jacq. Em cada uma das cidades que recuperava das mãos de Tefnakt, rei da dinastia saíta2, Piankhy primeiro fazia uma oferenda aos deuses e só após este ato começava a pensar sobre qual seria seu próximo passo.
No livro, a história começa com a descrição de um dos ataques empreendidos por Tefnakt a um povoado da região de Heracleópolis, no Médio Egito. Seu exército ataca sem pena, pisoteando e matando crianças e idosos que estão em seu caminho. Observamos aqui uma característica dos documentos escritos egípcios: o inimigo é sempre visto como uma representação do deus Seth, que simbolizava o caos, enquanto o faraó é visto como Osíris, seu irmão, em sua origem um deus civilizador.
Paralelamente temos uma visualização da paisagem da Núbia, próximo à montanha sagrada de Gebel Barkal, em meio à qual um monumento está sendo erigido. Um dos operários quer ver mais de perto o brilho do ouro que o recobre, quando se desequilibra e é salvo da morte pelo próprio Piankhy. Aqui é importante observar que a partir da XVIII Dinastia a Núbia era chamada de “o país do ouro de Amon” e isto fica bem marcado nesta passagem. O faraó deseja que o brilho do ouro seja visto a uma grande distância para relembrar a riqueza da terra da Núbia, e por isso o monumento é recoberto com o precioso metal.
Piankhy é informado por seu escriba real, Cabeça Fria – cujo nome tem mais a ver com seu comportamento, pois não se trata de um nome egípcio – que Tefnakt empreendeu o ataque à Colina dos Passarinhos. O faraó pensa, a princípio, que se trata apenas de mais uma das tentativas de governantes do Norte conquistarem o Sul do Egito. As reunificações ocorridas ao longo da história do Egito antigo sempre ocorreram no sentido Sul-Norte, ou seja, governantes partindo de Tebas conquistaram as regiões mais ao norte, até alcançar o delta. Partindo deste histórico, é fácil imaginar o porquê de Piankhy ter pensado desta maneira.
A situação, porém, era diferente. Tefnakt estava determinado a se tornar rei do Alto e do Baixo Egito, e não mediria esforços para isso. Sua intenção era clara: conquistar todo o Médio Egito e depois partir para Tebas, a capital religiosa do Egito, controlada a partir do templo de Karnak pela Divina Adoradora de Amon, guardiã da principal divindade egípcia. Com o controle desta cidade, poderia então se considerar o rei das Duas Terras. Piankhy, então, parte para proteger a cidade de Amon e recuperar o poder sobre o Médio Egito. Após reconquistar Hermópolis e Heracleópolis, o faraó negro, usando de estratégia, conquista cidades antes controladas por Tefnakt e se firma, enfim, como único governante do Egito.
O trajeto de Piankhy é narrado por Christian Jacq conforme consta na estela que narra a reunificação do Egito pelo faraó núbio. No entanto, a narrativa de Jacq é permeada por personagens secundários que dão um melhor ritmo à história, que se torna fácil e prazerosa para a leitura. Personagens femininas, a exemplo, recheiam o enredo com romance, ao mesmo tempo em que coadjuvantes masculinos criam intrigas que aumentam o suspense e a aventura. Assim como acontece com os outros romances históricos do autor, este cria entre os leitores uma atmosfera benéfica para a divulgação da história do Egito antigo e sua leitura atenta pode resultar, inclusive, no aumento do número de pesquisadores desta cultura.
Liliane Cristina Coelho
Mestre em História Antiga pela Universidade Federal Fluminense
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