quinta-feira, 15 de novembro de 2012


Educação nos terreiros 
E como a escola se relaciona com crianças que praticam o candomblé 



Àgbà-Ìjénà/Àpá k’ómo re i wá1

(Senhor, guardião do caminho, prodigalidade traz para seus filhos). 


1 – Introdução 

  

Noite de terça-feira, 13 de outubro de 1992. Chego com a equipe de 
reportagem do jornal O DIA, onde trabalhava como repórter, ao Centro Espírita Ilê 
Omo Oya Leji, em Mesquita, na Baixada Fluminense. A pauta da reportagem era 
mapear os terreiros de candomblé da região. Cruzei o quintal do terreiro, e 
cheguei ao barracão onde acontecia uma festa. Os filhos e filhas-de-santo 
cantavam e dançavam, as saias rodadas  coloriam o ambiente, os colares de 
lindas contas logo me chamaram a atenção, o som dos atabaques quase me fazia 
dançar e uma cantiga que marcava o início de uma festa de candomblé enchia o 
ambiente: 

Ògún wá jó (Ògún vem dançar) 
E màrìwò (Com o màrìwò) 
Àkòró wá jó (título de Ògún) 
E màrìwó (Com o màrìwó) 
Ògún pa lépa’ na(n) (Ògún limpa os caminhos) 
Ògún wá jó (Ele vem dançar) 
E màrìwó (Com o màrìwò) 
E máa tu eiye (Fazendo o sacrifício com o pássaro!) 
A wá siré Ògun o (Vamos à festa de Ògún) 
E rù jòjò (Levando nossas roupas finas).
2


                                                 
1
 Escolhi algumas frases em Yorubá (Santos, 1993) para abertura de alguns temas. 
2
 Tradução de um dos cânticos do terreiro. In: Beniste, José, 2002, p. 129.   23
Comecei a anotar, conversei com algumas pessoas até que meu olhar 
chegou ao fundo do barracão. Sentado em uma almofada, com a chupeta 
escondida atrás das costas, de camiseta branca, um colar de Xangô3
 no pescoço 
e batendo um atabaque estava o menino Ricardo Nery, então com quatro anos, 
ogan4
 do terreiro de Mãe Palmira, sua avó. E foi o próprio Ricardo, tímido, mas 
muito sério quem começou a me  explicar o que era um ogan. “Eu toco para o 
orixá”.  Perguntei como tinha aprendido. “Aprendi olhando”, disse-me ele. A 
surpresa foi grande, afinal, não passava pela minha cabeça que crianças 
pudessem desempenhar funções consideradas de adultos em terreiros. 
Obviamente, a pauta de minha reportagem mudou. Alguns dias depois, o jornal 
publicou página inteira com o seguinte título: “Os netos de santo”.  
Digo isso nessa apresentação porque quero partilhar o primeiro momento 
em que olhei o que ainda não era, mas que ao longo de 13 anos foi se tornando o 
objeto de minha pesquisa. Em geral,  quando lemos uma tese de doutorado ou 
dissertação de mestrado, temos a impressão que seu autor ou autora tinha, desde 
o início, o objeto pronto, a metodologia definida, a bibliografia arrumada. Sabemos 
que não é assim e do quanto custa chegar a  sistematizações como essa que 
apresento agora.  

1.2 - Para não mutilar a pesquisa 

Apesar de saber, continuamos mutilando nossas pesquisas pelo menos de 
duas formas. A primeira mutilação que fazemos é quando nos livramos do 
processo e apresentamos apenas o  resultado. E mais, apresentamos esse 
resultado como se ele sempre fizesse parte de uma questão teórica pronta, 
arrumada e amalgamada em nossas cabeças. Cometemos essa primeira 
mutilação talvez porque,  do ponto de vista acadêmico, pareça mais positivo 
apresentar o percurso trilhado sem os tropeções, as confusões, sem a hipótese 
                                                 
3
 Orixá do trovão e da justiça. [Sàngó – em iorubá].  ( Prandi, 2003, p.570). 
4
 Também grafado como Ogã. Na África, alguém  que ocupa cargo superior, mestre; no Brasil, cargo 
sacerdotal masculino do candomblé,  incluindo o tocador, o sacrificador e homens de prestígio ligados 
afetivamente aos grupos de culto. (Prandi,2003, p. 568).   24
relativizada, abandonada e outra ‘hipótese quem sabe reconstruída, sem os 
atalhos equivocados pelos quais enveredamos, sem os momentos em que nos 
perdemos e não sabemos por onde ir, sem as boas ou más surpresas vindas do 
campo pesquisado, sem a nossa vida cotidiana interferindo na pesquisa e sendo 
modificada por ela. 
Em “Introdução a uma sociologia reflexiva” (1974), Bordieu nos adverte 
dizendo que o  homo academicus gosta do acabado e, a exemplo dos pintores 
acadêmicos, faz desaparecer dos seus trabalhos qualquer vestígio da pincelada, 
os toques e retoques. No mesmo texto  se revela chocado ao descobrir que 
pintores como Couture (mestre de Manet) tinham estragado obras julgando dar-
lhes os últimos retoques, exigidos pela moral do trabalho bem feito, bem acabado, 
de que a estética acadêmica era a expressão. 
Cometemos a segunda mutilação porque continuamos lendo Bourdieu, mas 
ignorando suas orientações. No mesmo texto anteriormente citado, nosso autor 
assinala:  “Com efeito, as opções técnicas mais “empíricas” são inseparáveis das 
opções mais “teóricas” de construção do objeto.” (Bourdieu, 2000, p.24). 
Na maioria de nossos textos, nos dizemos conscientes do equívoco dessa 
distinção, mas apresentamos uma parte teórica esquartejada da parte empírica de 
nossa pesquisa. Assim, procurei construir este trabalho sem mutilar teoria e 
metodologia por concordar  absolutamente com Bourdieu. Da mesma maneira, 
tento não separar resultado de processo para não dar conta apenas de um porquê 
iniciei a pesquisa e de um o quê encontrei sem apresentar ao longo desse texto, 
um como ele vem sendo construído e, da mesma forma, de como, ao construí-lo, 
venho me transformando junto com ele. Nunca me fez tanto sentido a frase de 
Guimarães Rosa: “O real não se dispõe no começo ou no final, mas no meio da 
travessia”.  
   25



Reprodução da matéria que publiquei em “O DIA”, no dia 25/10/1992   26

1.3 - Construindo a questão 
Da reportagem ao problema 


Não pratico nenhuma religião, ou melhor, não acredito em Deus. Aliás, 
preciso dizer que sou marxista e foi como atéia e marxista que, ao chegar ao 
terreiro pela primeira vez, em 1992, senti que não nutria grandes simpatias para 
com o candomblé.  E mais: para falar a verdade, no fundo rejeitava a idéia de que 
crianças devessem ser iniciadas. Falo isso de mim para que se saiba que aqui vai 
inventariado o que levantei no campo pesquisado, mas que também eu faço parte 
desse inventário.  
Apesar de minha opinião, na época, busquei fazer um texto (se é que se de 
pode dizer) “isento”, ouvindo crianças, pais e mães, ouvindo também posições 
favoráveis e contrárias à iniciação infantil. Consultei ainda um especialista e estive 
na escola de Ricardo para falar com sua professora e saber se o fato dele ser 
ogan prejudicava seus estudos. “Não atrapalha não, pelo contrário, ele é meu 
aluno mais esperto e está sempre atento para novos ensinamentos”, disse-me 
Patrícia Sobral, professora da Escola Cantinho Feliz, em Mesquita, onde Ricardo 
fazia o maternal.  
A matéria teve excelente repercussão junto aos terreiros da região e dei por 
encerrado o assunto. O fato, porém é que  volta e meia eu olhava as fotos de 
Ricardo e via suas mãos pequenas e gorduchas batendo com uma incrível energia 
o hun (o maior atabaque do terreiro feito de madeira e couro de cabrito e um dos 
mais difíceis de ser tocado). Olhava também as fotos de Michele dos Santos5
entregue por sua mãe a Oxum6
 ainda no ventre e Paula dos Santos, iniciada aos 
dois anos e, desde então, Paulinha de Xangô.  
                                                 
5
 Michele tinha 2 anos na época da matéria publicada. Este nome é fictício porque Michele hoje tem 15 anos, 
e, na escola, não assume que é do candomblé. Ela e a irmã escolheram os próprios nomes com os quais 
gostariam de ser identificadas nesta pesquisa. 
6
 Orixá do rio, deusa das águas doces, do ouro, da beleza e da vaidade; uma das esposas de Xangô (PRANDI, 
2003, p.570).   27
Tuahir, personagem do livro “Terra Sonâmbula”, ensinou: “O que já está 
queimado não volta a arder”
7
. Disse que dera por encerrado o assunto, mas o 
candomblé ainda não queimara de todo em mim e me deitava suas vivas brasas. 
Por isso, as crianças, as canções, a  dança, os cheiros, o batuque do terreiro 
voltavam sempre a arder e continuavam em minha cabeça assim como ainda me 
ardia Bourdieu:  
                
 Os jornalistas, submetidos às exigências que as pressões ou as censuras de poderes 
internos e externos fazem pesar sobre eles, e, sobretudo a concorrência, portanto a 
urgência, que jamais favoreceu a reflexão, propõem muitas vezes, sobre os problemas 
mais candentes, descrições e análises apressadas, e amiúde imprudentes. (Bourdieu, 
1977, p. 733). 


Não queria nem a urgência muito menos a imprudência. Queria voltar ao 
terreiro, mas não sabia bem o que buscar. Lembro que já na época da matéria, 
notando meu total desconhecimento sobre a religião, Mãe Palmira, a Yalorixá8
 do 
terreiro em questão me disse: “Minha filha, vai ler Os Nagôs e a Morte, de Juana 
Elbein dos Santos e aí  a gente volta a conversar”. Quatro anos e alguns livros 
sobre candomblé depois, em 1996, já no  mestrado em educação na PUC-RJ, 
cursei a disciplina “Cotidiano Escolar: questões de raça, gênero e violência”.  
Em contato com autores como Hall, Canen, Candau, McLaren e outros, 
discutíamos a proposta multicultural em educação como perspectiva de 
incorporação da diversidade cultural no ambiente pedagógico. Senti-me 
estimulada então, a voltar ao Ilê Omo Oyá Leji e tentar estabelecer uma ponte de 
estudos entre as crianças que lá conheci e a escola. Voltei ao terreiro e 
reencontrei Ricardo (então com 8 anos), Paula Esteves Chagas (com 9 anos) e 
conheci os irmãos Jailson dos Santos (com 12 anos) e Joyce Eloi dos Santos 
(com 13 anos).  Tentava não levar comigo a urgência nem a imprudência, mas 
levava muita ignorância que essa, sabemos, não desprega facilmente do espírito. 
                                                 
7
 COUTO, Mia, Terra Sonâmbula, Companhia das Letras, 1993, p.10 
8
 Autoridade máxima de um terreiro (quando se trata de uma mulher) e dirigente do culto no candomblé.  
Também chamada Mãe de Santo. (Berkenbrock,1998, p. 442).   28




Ricardo Nery, em 1992, na escola “Cantinho Feliz”, onde estudava.  Ali  não  houve 
problemas, mas pouco tempo depois, uma explicadora particular o chamaria de  filho do 
Diabo. 











   29




1.4 – Primeiras notícias do preconceito 

Mais uma vez fotografei e entrevistei as crianças, bem como pais e 
professores de alguns deles. As crianças que encontrei estavam menos tímidas do 
que em nossas primeiras conversas para a reportagem. As entrevistas com 
Ricardo e Paula revelaram muito mais de suas funções no terreiro. O contato com 
Jailson me mostrou outra função muito importante no candomblé: ele é omoisan. 
Foi o próprio Jailson  quem me explicou: “Eu cuido dos espíritos dos mortos 
quando eles estão nas festas dos vivos”.  Mais maduras e ainda sob o impacto de 
um lamentável episódio, as crianças também puderam falar do que já 
identificavam: o preconceito que sofriam. E que episódio foi esse? 
Poucos sabem, mas, jornalistas e fotógrafos são uns despertencidos.  Texto 
e fotos pertencem ao jornal. No caso do  jornal “O Dia”, pertencem à “Agência O 
Dia”. Não importa ao dono do jornal que o jornalista e o fotógrafo tenham sido 
extremamente éticos para conseguir a confiança de suas fontes. Qualquer pessoa 
pode comprar essas fotos e usá-las para qualquer fim. Foi o que aconteceu em 
1993, quando a Editora Gráfica Universal, do Grupo Universal do Reino de Deus, 
comprou as fotos da matéria que fiz para “O Dia” e publicou no Jornal Folha 
Universal matéria com o título “Filhos do Demônio”. 
9
 Milhares de jornais com as 
fotos de Ricardo, Paula e Tauana foram espalhados pela  Baixada Fluminense e 
outras regiões do estado do Rio. Três anos depois, a mesma editora lança a 13ª 
edição (1996) do livro “Orixás, Caboclos e Guias – Deuses ou Demônios?”, escrito 
pelo bispo Edir Macedo. Na tiragem de 50 mil exemplares, outra vez a reprodução 
                                                 
9
 Esse episódio levanta uma questão ética que deveria ser enfrentada seriamente pela comunidade jornalística. 
As fotos e entrevistas em uma reportagem fazem parte de toda uma relação de confiança conquistada e 
estabelecida pelo jornalista e pelo fotógrafo.  Nesse caso especificamente, tanto a Mãe de Santo, Palmira 
Ferreira Navarro, avó de Ricardo, como as outras mães de meninos e meninas que entrevistei confiaram em 
mim porque expliquei exatamente as intenções de meu trabalho e cumpri absolutamente todos os acordos 
firmados. Para mim, deveria se configurar como crime o fato de uma agência de notícias vender as fotos 
conseguidas eticamente para fins tão diferentes das circunstâncias em que as fotos foram geradas. Não houve, 
em função desse lamentável ocorrido, nenhum  constrangimento à minha presença no campo devido, 
justamente, à relação de confiança e transparência estabelecida durante todo esse tempo.   30
das fotos da reportagem que fiz: Paula e Ricardo aparecem agora sob a seguinte 
legenda: “Essas crianças, por terem sido envolvidas com os orixás, certamente 
não terão boas notas na escola e serão filhos problemas na adolescência”. 
Durante as entrevistas realizadas em 96, Paula afirmou que se sentiu bastante 
discriminada com a publicação tanto do jornal como do livro. “Me chamaram de 
macumbeira e diziam que eu vivia em religião do demônio”, disse. Ricardo 
também contou que se sentiu discriminado, principalmente depois da publicação 
do livro. “Depois do livro parece que todo mundo que me via sentia raiva por causa 
da minha religião. Ricardo disse ainda que não sua professora da escola formal, 
mas uma explicadora de quem tinha aulas de reforço o chamou de “filho do 
Diabo”. “Ela disse que minha religião é coisa do Diabo e, por isso, eu era filho do 
demônio”, lamentou-se. 
A primeira entrevista com Joyce dos Santos encerrou estes que foram os 
primeiros depoimentos que apontavam o preconceito. “Quando vou para a escola 
sempre uso camisas de mangas para que cubram as curas10
. Muitos professores 
e colegas me chamam de macumbeira e eu não gosto”, revelou. Conclui a 
disciplina apresentando um trabalho sobre essa minha segunda observação. Foi 
nessa época, auxiliada pelas conversas com Mãe Palmira e com as crianças que 
comecei a construir a primeira  questão de minha tese: O que se aprende no 
terreiro? Como as crianças vivenciam esse espaço? Como são socializadas nele? 
Que funções desempenham? Nascia assim a principal questão desse trabalho de 
doutorado:  A educação nos terreiros.  Por outro lado, motivada pela discussão 
sobre multiculturalismo e educação realizada no mestrado, me interessava 
também saber se na escola, existe espaço para que essas crianças partilhem a 
cultura experenciada nos terreiros. Assim, como segunda questão, a tese que 
apresento se propõe verificar  como a escola se relaciona com crianças e 
adolescentes que freqüentam o candomblé.  
                                                 
10
 CURA: cada um dos pequenos cortes rituais feitos na cabeça e em outras partes do iniciado nos 
candomblés.  Provavelmente de  nkula, entre os  Ndembu  de Luanda, culto de fecundidade associado ao 
sangue. (Verbete em: Lopes, Nei, “Novo Dicionário Banto do Brasil”, 2003, p. 87. É preciso ressaltar que 
nem todas as casas de santo fazem esses cortes em seus iniciados. No terreiro de Mãe Palmira, por exemplo, 
esse tipo de ritual não é praticado.  Joyce foi iniciada em outra casa de santo. Hoje em dia, quase nenhum 
terreiro faz as curas para evitar o uso coletivo da navalha e a transmissão de eventuais doenças.    31


      Capa do livro “Orixás, Caboclos e Guias – Deuses ou Demônios”, escrito pelo 
Bispo Macedo e publicado pela Editora Gráfica Universal. A 13a edição  saiu 
em 1996 com 50 mil exemplares. Ao todo (e a capa comemora isso), foram 2 
milhões de exemplares vendidos.   32

         
Na página 50 do livro “Orixás Caboclos e Guias – Deuses  ou Demônios”, 
escrito  pelo  Bispo  Macedo, aparecem Paula Esteves e Ricardo Nery de 
forma depreciativa: “Essas crianças, por terem se envolvido com os orixás, 
certamente  não  terão  boas  notas na escola e serão filhos “problemas” na 
adolescência”. 
   33

1.5 – Falando da travessia 
no terreiro e na escola 


Desde o retorno ao terreiro em 1996,  ainda no mestrado, freqüentei o Ilê 
Omo Oya Leji, um imenso real a ser investigado que passou a ser meu principal 
campo de pesquisa. As visitas, antes  esporádicas, se tornaram bem mais 
constantes ao longo dos anos do doutorado. Consulto meu caderno de campo e 
verifico: “5 de abril de 1999 – Como olhar tudo isso? O que e como procurar?” 
Eram meus primeiros questionamentos a respeito de como construir meu objeto 
que sabia, não estava pronto. 
Pensei inicialmente que, para Bourdieu, (1997, p.34), construir um objeto 
científico é, antes de mais e, sobretudo, romper com o senso comum, mas 
sabemos que isso não é fácil. Bourdieu, contudo, nos dá algumas pistas. Uma 
delas encontramos em  “O espaço dos pontos de vista”, texto de abertura de seu 
“A miséria do mundo”, onde este autor afirma que para compreender o que 
acontece em lugares como conjuntos  habitacionais, por exemplo, e com as 
diferentes pessoas que ali habitam, “não basta dar razão de cada um dos pontos 
de vista tomados separadamente. É necessário também confrontá-los”, (Bourdieu, 
1997, p.11). Já em  “Compreender”, texto final do mesmo livro, Bourdieu fala em 
“olhar distraído e banalizante” e opõe a este, um “olho sociológico", necessário, de 
acordo com ele, para superação do lugar-comum em pesquisa. 
Apesar de todas essas orientações, no começo da pesquisa eu ainda não 
sabia como ver. Quem escreve uma tese, no entanto, sabe que nosso orientador 
ou orientadora não nos deixa esquecer a importância e necessidade do  recorte, 
conceito que pode bem ser ilustrado com o depoimento do cineasta alemão Wim 
Wenders no documentário brasileiro de João Jardim “Janela da Alma” (2001).  




Com os óculos acho que você fica mais consciente do enquadramento. Quando tinha 30 
anos, tentei usar lentes de contato, mas mesmo quando as usava procurava meus óculos, 
porque apesar de enxergar bem sem os óculos, sentia falta do enquadramento.  Acho que 
a visão é mais seletiva, temos mais consciência do que vemos de fato.  Sem os óculos   34
tenho a impressão de ver demais. E não quero ver tanto, quero ver de forma mais contida. 
(Wenders, 2001). 

Pude assim pensar com Wenders que o olhar do pesquisador “enquadra” a 
realidade, ou seja, recorta do imenso real disponível um real menor sobre o qual 
se pode  olhar mais detidamente. O terreiro me oferecia um imenso e rico real, 
mas, recortei e detive minhas observações conversando, entrevistando e 
fotografando especialmente as crianças. Mais especificamente ainda, Ricardo 
Nery e Paula Esteves, obviamente  relacionando-os à realidade maior da 
comunidade terreiro. Concentro o foco de minha pesquisa um pouco mais nessas 
duas crianças (hoje adolescentes) porque foi com elas que mais conversei, já em 
1992, na época da pesquisa. Para mim, importou verificar a trajetória religiosa de 
ambos ao longo desses anos. Michele dos Santos também foi destacada naquela 
reportagem, mas perdi o contato com ela e só a reencontrei em 2004, 
reincorporando-a a este trabalho. Entrevistei ainda os responsáveis por essas e 
outras crianças que fazem parte da pesquisa.  

1.6 - Mudando a estratégia para a escola 

Construído o recorte para a pesquisa realizada no terreiro, me voltei para a 
escola. O que recortar e como recortar desse outro imenso real? Inicialmente, a 
estratégia imaginada baseava-se em observar a escola de Ricardo Nery e Paula 
Esteves. Contudo, a repercussão das publicações da Igreja Universal já havia 
prejudicado bastante as crianças. Discutindo com Mãe Palmira sobre sua opinião 
a respeito da realização de observação direta na escola tanto de Paula como 
Ricardo, ela me disse que achava melhor não fazer para que as crianças não 
fossem expostas ainda mais. 
A dúvida agora era: de que outra forma poderia abordar a escola e 
preservar as crianças observadas? A  opção foi construída em função da Lei 
3459/00, do ex-deputado Carlos Dias (PP-RJ), a polêmica lei que instituiu o ensino 
religioso confessional nas escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro. Pela lei, 
sancionada em 14 de setembro de  2000 pelo então governador Anthony 
Garotinho, as aulas de religião ficam divididas por credo, são facultativas e   35
incorporam o currículo normal das escolas públicas, desde a educação infantil até 
o ensino médio.  Em janeiro de 2004,  foi realizado concurso público para 
contratação de 500 professores de religião confessional que se somarão aos 364 
professores que já davam aulas de religião na rede pública, desviados de outras 
disciplinas. 
Optei então por realizar 12 entrevistas  (entre novos e antigos professores 
de religião) para saber como estes organizam suas aulas, que conteúdos abordam 
e como se relacionam com alunos de candomblé. Neste grupo de 12 professores 
também está a Coordenadora de Ensino Religioso do Estado. Adotei ainda uma 
segunda estratégia. Como disse anteriormente, havia perdido o contato com 
Michele dos Santos, uma das meninas que entrevistei na época da reportagem.  
Ela havia mudado com sua família da Baixada Fluminense e, com ajuda de Mãe 
Palmira, consegui localizá-la em sua nova moradia.  
Com essa mudança de endereço, Michele ficou afastada da região em que 
a repercussão negativa das publicações da Igreja Universal era maior. Julguei não 
haver então, problemas em  realizar uma observação mais próxima da escola em 
que ela estudava. Dona Conceição dos Santos, mãe de Michele, também não viu 
problema algum e, de agosto de 2004 a abril de 2005, freqüentei a escola estadual 
onde Michele estuda11
.  Realizei entrevistas com  três das quatro professoras de 
ensino religioso dessa escola12
, bem como com sua diretora e também com a 
diretora adjunta do turno da tarde (todas essas incluídas no grupo de 12 
entrevistas). Durante as entrevistas observei a escola e também participei de 
algumas de suas atividades13
.   







                                                 
11
 No final dessa pesquisa, Michele já não estudava mais nessa escola. 
12
 A maioria dos professores com os quais realizei as entrevistas foi indicada pela Secretaria de Educação do 
Estado.  Por coincidência, uma dessas professoras lecionava na escola de Michele. O nome da escola será 
preservado através de um nome fictício. 
13
 Ver capítulo 5 dessa pesquisa.   36
1.7 – Dos fios-de-contas e das hipóteses 


Redigo: a pesquisa que partilho com vocês teve dois objetivos: O primeiro 
foi observar as práticas culturais  de crianças e adolescentes que freqüentam 
terreiros de candomblé e formas de socialização dessas crianças no terreiro. O 
segundo foi ouvir a escola para saber como a escola se relaciona com essas 
crianças. Diz-se das teses de doutorado que estas precisam ter uma hipótese.  
Do grego hupórthesis, “ação de por embaixo, o que se põe por baixo, base, 
fundamento ou princípio de algo”, hipótese, explica Houaiss, é a suposição, 
conjectura, pela qual a imaginação antecipa o conhecimento, com o fim de 
explicar ou prever a possível realização de um fato e deduzir-lhes as 
conseqüências e ainda, pressuposição ou presunção.
14

Para mim ficou assim: hipótese é uma construção que fazemos através de 
alguns pressupostos inicialmente recolhidos que apresentamos para identificar 
que fio político conduzirá nossos pensamentos. Hipótese é o que nos identifica e 
diz a que lugar pertencemos e por onde seguiremos. Hipótese é um fio-de-contas. 
Conta, segundo Lody, é uma designação geral para tudo que é processado 
por enfiamento com a finalidade de ser um fio-de-contas e fio é a designação geral 
para os colares litúrgicos. (Lody, 2001,  p.63). O fio-de-conta é um sinal, um 
emblema pessoal e particular que identifica aquele que o está usando. Pelo tipo e 
pela cor sabemos para que orixá uma pessoa se vestiu. Pode ser para o orixá de 
sua cabeça ou para outro orixá. De acordo com Lody, os fios-de-conta enquanto 
objetos idealmente concluídos, independentes dos tipos, poderão passar por 
modificações formais, geralmente acréscimos que ocorrem no processo iniciático 
que é, por sua vez, permanente. (ibidem). Um conjunto muito variado de novos 
elementos seja contas específicas, fitas, figas, símbolos dos orixás pode ser 
incorporados ao fio para, diz Lody, a  nova sinalização do indivíduo em suas 
relações sociais e religiosas. Além disso, os fios poderão ser distribuídos para 
indivíduos de um mesmo terreiro ou de uma mesma família-de-santo. 
                                                 
14
 Verbete, dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2004, Objetiva, p. 1540   37


Assim, algumas contas serão reaproveitadas para brincos, pulseiras, ou então serão 
reincluídas em outros fios-de-contas. Há um circuito simbólico do princípio de unidade que 
é mantido com objetos convencionalmente sacralizados e que tenham laços e relações 
intermembros do terreiro. Certamente, nesse caso a conta é uma relíquia de um indivíduo, 
do seu santo, da sua Nação, ou do terreiro –  vínculos estabelecidos pelos materiais e 
principalmente pelo código cromático manifestado intencionalmente nos próprios fios-de-
contas. Além das marcas intencionais e cíclicas que fazem a dinâmica visual e simbólica 
dos fios-de-contas, outras serão efêmeras,  contudo incluídas nos mesmos princípios de 
ampliação do ideal sagrado pelos materiais. (op.cit, p. 64). 

Contas não são enfiadas de qualquer  jeito. Há que se ter cuidados 
especiais para fazê-las seja para uso próprio ou para outro membro do terreiro. De 
acordo com Lody, é fundamental dominar o código cromático e simbólico da 
Nação, dos tipos de fios-de-contas  e funções religiosas e hierárquicas, 
constituindo etapa do aprendizado iniciático que ocorre na reclusão do roncó15
.    
Algumas hipóteses são tão sagradas para o pesquisador que podem 
coagular seu olhar. As contas de candomblé também se tornam sagradas ao 
serem lavadas e preparadas em diferentes tipos de rituais. Mas esse sagrado, diz 
Lody, deve ser freqüentemente renovado tomando-se por referência o sagrado 
original, o sagrado-matriz, relacionado-o  aos fios-de-contas, assentamentos16
ferramentas-de-santo, entre outros símbolos do corpo, do santuário, da natureza, 
espaços no terreiro, todos comuns nos planos dos homens e dos deuses. É isso 
que, segundo Lody, ajuda a despertar o axé individual, a energia, a essência, a 
força do iniciado. 
O fio-de-conta que uso nesse momento diz de mim e do tema que investigo 
o seguinte: nas comunidades de terreiros existem inúmeras crianças e 
adolescentes. Elas ou pertencem à família do pai ou mãe-de-santo ou estão 
ligadas aos filhos e filhas-de-santo dos  terreiros. Assim como os adultos, essas 
crianças são iniciadas no candomblé, desempenham funções específicas, 
recebem cargos na hierarquia dos terreiros e manifestam orgulho de sua religião. 
Na escola, porém, essas crianças e adolescentes são invisibilizadas e silenciadas.  
                                                 
15
Quarto onde o (a) iaô ficará recolhido. 
16
Conjunto de objetos destinado a adoração do orixá.   38
Com a aprovação da lei de ensino religioso a situação se agravou mais 
ainda. A invisibilidade e o silêncio que submetem essas crianças e 
adolescentes aumentaram. 
Essa é minha  hipótese-fio-de-conta. Marca-me e me conduz, mas será 
lavada, renovada, redistribuída com cada elemento novo que for a ela 
acrescentado, subtraído, modificado. Assim renovarei seu sagrado e seu sentido. 
Veremos que fio-de-conta estarei usando ao final.   39





Enfiamento de conta no terreiro de Mãe Beata 










   40
1.8 - E por que o candomblé? 

A escolha do candomblé como enfoque principal deste trabalho não 
significa que este estudo desvalorize as outras religiões afro-brasileiras perante o 
candomblé. O terreiro a que cheguei, em 1992, com o único propósito de realizar 
uma reportagem é um terreiro de candomblé. Desde então, minha afeição por esta 
casa, a amizade com sua mãe-de-santo, com outros filhos e filhas-de-santo deste 
terreiro e a curiosidade sobre esta religião aumentaram. Existe sobre o candomblé 
um maior volume de material escrito  e de estudos do que sobre qualquer outra 
religião afro-brasileira, o que também contribui.  

1.9 - Sobre uma pescadora fotográfica 
E sobre uma questão ética 

Já na capa dessa pesquisa e em algumas das páginas de seu corpo até 
aqui, fica evidente que trabalho com fotografia. Essas e as que virão mostram que, 
através da fotografia, lancei várias  vezes uma espécie de rede luminosa aos 
mares e aos rios. Como pescadora fotográfica trouxe rostos de crianças e 
adolescentes ampliados, com seus gestos, risos, olhares, roupas e paramentos 
religiosos. Lancei minha rede luminosa na  vã esperança de fixar o que tentava 
pescar. Não fixei, não se deixaram fixar. Todos ainda se movimentam no espaço 
fotográfico com sua ilusão estática. 
Contudo, de alguma forma os trago e  os exponho. Deixo suas fotos na 
margem e na margem ficam expostos. Temos na margem  então, uma questão 
ética que me foi apontada por várias pessoas que pela margem passaram e sobre 
as fotos debruçaram olhares. Entre elas e  talvez a primeira, a professora Sônia 
Kramer, do departamento de Educação  da Puc-Rio. Preocupada há muito em 
suas pesquisas, com a exposição tanto de nomes verdadeiros como de imagens 
de crianças, Kramer discute o problema  em “Autoria e Autorização: questões 
éticas na pesquisa com crianças”.
17
 Em seu texto, a autora se pergunta, por 
exemplo, se os nomes verdadeiros das crianças observadas e entrevistadas 
                                                 
17
 Cadernos de Pesquisa, julho, 2002, n.116, p.41-59.   41
devem ou não ser explicitados na apresentação da pesquisa. No caso de 
fotografias e vídeos, Kramer indaga se a autorização dada pelos adultos, em 
geral, seus pais, é suficiente. 


Aparentemente, parecia simples responder  a cada uma das indagações.  No entanto, 
aspectos polêmicos emergem.  Quando trabalhamos com um referencial teórico que 
concebe a infância como categoria social e entende as crianças como cidadãos, sujeitos 
da história, pessoas que produzem cultura, a  idéia central é a de que as crianças são 
autoras, mas sabemos que precisam de cuidado e atenção.  Elas gostam de aparecer, de 
ser reconhecidas, mas é correto expô-las?  Queremos que a pesquisa dê retorno para a 
intervenção, porém isso pode ter conseqüências e colocar as crianças em risco.  Outras 
vezes, elas já estão em risco e não denunciar as instituições ou os profissionais pelo 
sofrimento imposto às crianças nos torna  cúmplices!Nesse sentido, as respostas ou 
decisões do pesquisador podem não ser tão fáceis como pareceria à primeira vista. 
(Kramer, 2002, p.42). 


Mais que discutir a forma como as crianças serão expostas nas pesquisas, 
Kramer discute o modo como o pesquisador lida com a criança observada e 
entrevistada. Para a autora, a pesquisa etnográfica fornece estratégias e 
procedimentos metodológicos, influenciando estudos do cotidiano escolar, da 
prática pedagógica e das interações entre crianças e adultos. De acordo com 
Kramer, a infância é hoje  um campo temático de natureza interdisciplinar 
(sociologia, história, antropologia) e essa visão se difunde cada vez mais entre 
aqueles que pensam a criança, atuam  com ela, desenvolvem pesquisa e 
implementam políticas públicas. 
Além disso, diz a autora, a epistemologia das ciências humanas e sua 
análise crítica das relações entre  saber e poder colocam em destaque a 
centralidade da linguagem para a compreensão da condição e da dimensão 
humanas. Assim é que Kramer tem se referenciado nas teorias de Benjamin, 
Baktin e Vygotsky para estudar a sociedade contemporânea e a infância em seus 
vários aspectos, destacando, porém, o trabalho de Benjamin. 


Desvelando o real, subvertendo a aparente ordem  natural das coisas, as crianças, para 
Benjamin, falam não só do seu mundo e da sua ótica; falam também do mundo adulto, da 
sociedade contemporânea.  Imbuir-se desse olhar infantil crítico é aprender com as 
crianças e não se deixar infantilizar.  Conhecer a infância passa a significar uma das 
possibilidades para que o ser humano continue sendo sujeito crítico da história que o 
produz. (op. cit.,p. 46).   42

Acompanhando várias dissertações de mestrado, teses de doutorado, além 
de monografias que apresentavam pesquisas com crianças numa abordagem 
qualitativa, obviamente na narrativa,  surge a necessidade de que os sujeitos 
aparecessem nomeados. De imediato, diz  Kramer, alternativas como usar 
números, mencionar as crianças pelas iniciais foram rejeitadas, já que essa via 
negava sua condição de sujeitos, desconsiderava sua identidade e simplesmente 
apagava quem eram e as relegava a um anonimato incoerente com o referencial 
teórico que orientava a pesquisa. (id.,p.47). 
Por outro lado, como identificar as crianças que estudavam na única escola 
da região e seus depoimentos traziam muitas críticas à escola, às professoras, às 
famílias?  A avaliação da autora é que nesse caso as crianças passariam a correr 
riscos. Kramer cita a solução encontrada por alguns pesquisadores. Algebaile 
(1995) decidiu omitir o nome  da escola e tratar as crianças pelo primeiro nome 
apenas. Em outros contextos o caminho utilizado foi pedir para que as crianças 
escolhessem nomes com que queriam aparecer na versão oficial do trabalho. No 
trabalho de Leite (1995), as crianças escolhem heróis ou ídolos (Bruce Lee, Van 
Damme, Daniele Mercury). Já na pesquisa de Sá Earp (1996), as crianças 
optaram por nomes de jogadores de futebol famosos na época (Sávio, Romário, 
Túlio, Ronaldinho). No caso das fotografias de crianças, a pesquisadora interroga: 

Quem autoriza a participação, o nome,  a gravação? Quem autoriza a utilização de 
fotografias? Sabemos que é o adulto, e concordamos que é necessário que assim seja, 
mais uma vez para proteger as crianças, para evitar que suas imagens sejam exploradas, 
mal-usadas.  Mas se a autorização quem dá é o adulto, e não a criança, cabe indagar mais 
uma vez: ela é sujeito da pesquisa? Autoria se relaciona à autorização, à autoridade e à 
autonomia.  Pergunto: como proteger e ao  mesmo tempo garantir autorização? Como 
resolver esse impasse?” (op. cit, p. 53). 

Não há uma resposta absoluta no texto de Kramer. Ele mesmo não se 
propõe a isso. Há preocupações muito importantes e fundamentais da autora com 
o uso abusivo, indiscriminado e generalizado de imagens de crianças. Isso diz 
respeito a todos nós que utilizamos fotografia em pesquisa. “Estaremos agindo 
como se a pesquisa tivesse um patamar mais elevado que o cotidiano e não 
devesse haver regulamentação dessa questão?”, pergunta Kramer que também   43
sugere: “Para além da dicotomia entre a dimensão jurídica e a censura às 
imagens contraposta à exposição das crianças e jovens em função da pesquisa, 
talvez seja preciso definir princípios éticos que ajudem a enfrentar o uso indevido 
e leviano da imagem em práticas que por  vezes parecem movidas pela idéia de 
que o show deve continuar”. (op.cit., p.54). 

1.10 – Duas etnografias 

Busquei refletir sobre essa questão com Kramer porque, durante todo esse 
tempo no terreiro, meu olho não buscou ver sozinho. Desde o início olhei com, e 
pela máquina fotográfica. Na verdade, o trabalho que apresento é constituído de 
duas etnografias e para ambas, as reflexões de Kramer, apoiadas em Benjamin, 
estarão comigo. Uma das etnografias fiz escrevendo como se conhece o ato de 
escrever e outra,  escrevi com luz, já que, como explica Barthes, em latim 
“fotografia” se diria:  “imago lucis opera expressa”; ou seja: imagem revelada, 
tirada, espremida por ação da luz. (Barthes, 1984, p.121).  
Nesta pesquisa, há fotos que fiz, outras que outros fotógrafos fizeram e 
algumas que foram cedidas pelas famílias das crianças dos terreiros. Todas 
autorizadas pelos responsáveis e pelas  crianças. Também uso seus nomes 
verdadeiros e seus nomes na religião. Foi assim que convivemos durante muitos 
anos. Quando devolver esse trabalho para  a escola, as fotos de Michele18
 (já 
adolescente) e Alessandra, sua irmã, serão  retiradas e elas já escolheram e já 
estão sendo apresentadas com outros nomes (a exemplo das sugestões 
encontradas do texto de Kramer). Isso porque a escola de Michele foi a única em 
que estive  para observações e entrevistas e ela será facilmente identificada. 
Parece-me que esse seja o procedimento mais correto já que nem ela nem a irmã 
assumem na escola que são do candomblé. As fotos na escola (identificada por 
um nome fictício) foram autorizadas pela  diretora. Também estive na escola de 
Jailson e Joyce, em 1996, eles ainda eram menores e não estudam mais lá. 
Portanto, não há problema mantê-los no trabalho oficial. O acordo que fiz com 
                                                 
18
 Todas essas crianças serão apresentadas detalhadamente mais adiante.   44
todos eles vai até a defesa e exposição da tese. Qualquer movimento a partir daí 
terá de ser rediscutido.  
Digo ainda que as fotos que fiz não funcionam como um anexo ao texto 
principal de minha pesquisa. Justamente  por isso, não estão ao final deste 
trabalho, mas ao longo dele. Também não foram feitas para que tenhamos um 
espetáculo. Na verdade, elas quase chegam a ser o texto principal de minha tese. 
Por mais que eu me esforçasse em escrever, há situações que só a fotografia 
consegue mostrar e fazer ver. Concordo com o fotógrafo Arthur Omar para quem, 
“Há coisas que só podem ser vistas e produzidas em situação de ato fotográfico, 
ou seja, através da existência da câmera”. (Omar, 1997, p.9). Meu olho nu e 
sozinho não daria conta de partilhar o  que vi ao longo desses anos. Foi com a 
máquina e através das fotos que, espero, tenha trazido eticamente, algo do 
processo.  
Também não sei fazer diferente. De tanto escrever fotografando e fotografar 
escrevendo, em mim já não se separam mais o olhar do fotógrafo e do 
pesquisador. Sei que tanto um como outro, ao olharem o real investigado, o fazem 
de algum lugar, definem  um método de intervenção nesse real observado e 
propõem um recorte neste real
19
. Um olhar está impregnado do outro. Um já não 
olha mais sem o outro e vão construindo um texto único, inseparável, misto de 
letras e luz. 

                                                 
19
 A esse respeito publiquei o artigo “Fotografia e pesquisa em diálogo sobre o olhar e a construção do 
objeto”, Revista Teias (Faculdade de Educação da UERJ),  número4/julho/dez. 2001. 

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