segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

SIMPATIAS PARA O ANO NOVO

31 DE DEZEMBRO

SIMPATIAS PARA O ANO NOVO



Atrair ou manter um amor

Quem é casada e quer manter o relacionamento deve acender duas velas amarelas. Peça a Oxum - a deusa do amor, da fertilidade, da pureza e do ouro - estabilidade no relacionamento. Se for solteira, acenda uma, e peça para que apareça alguém especial em sua vida. Depois de acesa, derrame mel em volta da vela, coloque quatro búzios, quatro moedas de mesmo valor e oito ou dezesseis rosas amarelas. Para dar certo é preciso ficar na praia até a vela terminar de queimar.

Para o amor voltar

Escolha oito pedaços de fitas coloridas com 1 metro (todas devem ter cores diferentes, menos preto e vermelho). Olhe na direção do mar e coloque quatro fitas em cada ombro. Com os pés na água, despetale três rosas amarelas. Jogue as pétalas por cima da sua cabeça e deixe que elas caiam no mar. Solte então uma fita de cada vez na água e peça que Oxum traga de volta quem você ama.

Para ter sorte no amor

Pegue cinco ou oito rosas brancas (números de Iemanjá e Oxum), perfume de alfazema, fitas com as cores da harmonia (azul, amarelo, rosa, branco e verde), espelho, talco, sabonete e bijuterias. Forre uma cesta com celofane, amarre uma fita no cabo de uma flor e jogue um pouco de talco e de perfume por cima. Depois, coloque o espelho, o sabonete e as bijuterias na cesta e leve para o mar. Conte três ondas e, na quarta, ofereça a cesta à Iemanjá e a Oxum.

Para ter felicidade

Comece a usar, a partir do dia 28 de dezembro, um par de meias brancas novas. No quarto dia, coloque a meia do pé direito no sol. Depois atire-a longe -cuidado para ela não cair em nenhum lugar úmido. À meia-noite do dia 31 coloque a meia do pé esquerdo ao luar e depois jogue longe dizendo: “Minhas meias foram longe. Não têm teia, nem idade. Se elas se foram, porque se foram, virá a felicidade. Assim seja”.

Para afastar maus fluidos

Na beira do mar, com a água na altura da canela, derrame pipoca ao longo de seu corpo, da cabeça aos pés. Deixe que o mar leve a pipoca, que é um elemento do orixá Omolu, senhor da vida, da cura e da saúde.

Para ter paz, tranqüilidade e prosperidade

Misture pétalas de rosa branca, arroz cru e uma essência e passe pelo corpo. Olhando para o mar, reze pedindo paz e prosperidade para o ano que se aproxima. Tire os sapatos e entre no mar vestida com uma roupa branca. Dê três mergulhos e dê costas para a areia.

Para ter dinheiro o ano inteiro

Leve para a praia sete rosas brancas, sete moedas do mesmo valor, perfume de alfazema e um champanhe. Reze para Iemanjá e para os orixás que têm força no mar. Conte sete ondas e jogue as flores no mar. Em seguida, coloque o conteúdo do champanhe e ofereça aos orixás. Lave as moedas com o perfume e coloque-as na mão direita. Mergulhe a mão na água e peça proteção financeira. Deixe o mar levar seis moedas e fique com uma, que deve ser guardada como amuleto durante o ano.

Crendices e superstições de Ano Novo



Acredita-se que comer lentilha traz sorte, pois, como é um alimento que cresce, faz a pessoa crescer também;

Uma das simpatias mais comuns feitas no Ano Novo para atrair dinheiro é a da romã. Chupe sete sementes na noite de Réveillon, embrulhe todas num papel e guarde o pacotinho na carteira para ter dinheiro o ano inteiro;

O consumo de aves, como o peru e o frango, e o de caranguejo não é indicado na ceia de Ano Novo. Como esses animais ciscam ou andam para trás, acredita-se que quem comê-los regride na vida;

Guarde uma folha de louro na carteira durante o ano inteiro para ter sorte;

Coma três uvas à meia-noite, fazendo um pedido para cada uma delas;

Jogue moedas da rua para dentro de casa para atrair riqueza;

Dê três pulinhos com uma taça de champanhe na mão, sem derramar nenhuma gota, e jogue todo o champanhe para trás para deixar tudo o que for ruim no passado;

Passe as 12 badaladas em cima de uma cadeira ou banquinho e depois desça com o pé direito;

Pule num pé só (o direito), à meia-noite, para atrair coisas boas;

Não passe a virada do ano de bolsos vazios para não continuar o ano inteiro com eles vazios;

Coloque uma nota no sapato para chamar dinheiro;

No dia 31, faça uma boa limpeza na casa, varrendo-a de trás para frente. Coloque para fora todo lixo, objetos quebrados e lâmpadas queimadas. Não guarde as roupas do avesso;

Para evitar energias ruins, muitas pessoas lavam os batentes das portas com sal grosso e água e borrifam água benta nos quatro cantos da casa;

Na primeira noite do ano, use lençóis limpos;

À meia-noite, para ter sorte no amor, cumprimente em primeiro lugar uma pessoa do sexo oposto;

Quem pretende viajar bastante no ano que se aproxima, deve pegar uma mala vazia e dar uma volta dentro de casa;

Abra as portas e janelas da casa e deixe as luzes acesas;

O primeiro negócio do ano nunca deve ser fiado nem com pessoa pobre.

Fonte: Guia dos Curiosos


Webdesigner: Netty Macedo

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quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

IDENTIDADE NEGRA E SAÚDE

IDENTIDADE NEGRA E SAÚDE

Isabel Cristina Fonseca da Cruz
Resumo:
Unitermos - Negros - História da Enfermagem
Abstract: This study is based on anthropological bibliografy and refers to the arousal of risk factors of hypertension in the Africans slaves in Brazil and their prevalence until today..
Key-words - African-Brazilian- Nursing History

Introdução:
A consciência de que o mito da democracia racial é uma forma sutil e perversa de alijar a parcela afro-brasileira desta sociedade, somada ao compromisso político com este segmento de onde viemos, para onde voltamos e do qual nunca saímos, motivou-nos a aceitar o convite para participar do Seminário Nacional: a Comunidade Afrobrasileira e a Epidemia de HIV/AIDS, promovido pela ABIA.
Ainda que o tema proposto seja Identidade Negra e Saúde, interessa-nos sobretudo discutir a composição plural desta nação e a necessidade de trazer esta pluralidade para dentro das nossas pesquisas de modo que os resultados revelem esta multiplicidade de culturas. Acreditamos que só desta forma podemos neutralizar o discurso ideológico discriminador que ainda permanece em nossa sociedade, objetivado pelos indicadores sociais negativos que confirmam o segregacionismo.
No que concerne à discussão sobre identidade negra e saúde, temos que ter em mente a situação histórica que foi a escravidão, resultante do sequestro dos povos negros africanos para o Brasil, e todas as conseqüências negativas decorrentes da aplicação deste sistema econômico nas esferas bio-psico-sociais dos escravos e seus descendentes mesmo após a extinção do regime. Consideramos portanto que várias doenças presentes hoje na população negra brasileira podem ser provenientes da introdução de fatores de risco a que antes, na África, em liberdade, essas pessoas não estavam expostas.
Assim, muito da nossa identidade negra, da nossa saúde e da nossa doença têm relação com o histórico de escravidão e exclusão vividos ao longo de quase quinhentos anos de Brasil.
Desenvolvimento
Identidade Negra - em busca de uma identidade humana.
Ciente do fato que o racismo assume diversas formas, conforme o período histórico, faço minhas as palavras de Neuza Santos Souza quando em sua dissertação de mestrado afirma que saber-se negra é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade, confundida em suas perspectivas, submetida a exigências, compelida a expectativas alienadas. Mas é também, e sobretudo, a experiência de comprometer-se a resgatar sua história e recriar-se em suas potencialidades.
Ser negro é tornar-se negro. Uma vez negro, deve tornar-se humano.
Saúde
Historicamente perdemos contato com o mundo de onde viemos, a África, e com o nosso passado de escravidão e de lutas libertárias conseqüentemente perdemos contato com a nossa cultura popular, com a religião e com a ancestralidade. Entendemos que já é tempo de retomar este contato, de conhecer um pouco mais sobre nós mesmos e sobre as nossas origens não-européias para construirmos um conceito próprio de saúde.
Portanto, o significado de saúde deveria no Brasil ser visto em muitos contextos: histórico e cultural, social e individual, científico e filosófico. Ainda que estes significados possam ser por vezes contraditórios ou superpostos, eles sempre existirão nos variados contextos da experiência humana.
Para nós que temos por objetivo promover a saúde, o referencial holístico é mais adequado uma vez que a saúde é melhor compreendida se cada pessoa é vista como a integração das energias da mente, do corpo, do espírito e do ambiente. A saúde é melhor definida, no nosso entendimento, como um estado de bem-estar. O bem-estar existe quando as emoções são livres, a mente está forte, o estilo de vida é saudável e a expressão espiritual é completa.
Independentemente dos vários conceitos sobre saúde, é bom ressaltar que quase nunca usuários do serviço de saúde e profissionais de saúde partilham a mesma opinião a respeito. Isto talvez explique a pouca adesão às terapias propostas pelos profissionais. É imperativo que os profissionais de saúde compreendam que os clientes têm diferentes visões de mundo e interpretações sobre saúde e doença, com base na sua cultura e crenças religiosas.
A diferença entre a medicina hegemônica e a medicina popular mágico-religiosa está principalmente no tipo de relação entre a pessoa e o curador. O curandeiro, por exemplo, está geralmente mais próximo, mais íntimo da pessoa do que o profissional de saúde porque o curandeiro entende o problema a partir de um contexto cultural, fala a mesma linguagem e partilha a mesma visão de mundo.
Embora não haja uma definição única de cultura, esta geralmente é entendida como um conjunto de valores, crenças, comportamentos e costumes partilhados por um grupo de pessoas e que passa de uma geração para outra. A etnia, por sua vez, é um sentimento de identificação associado com a cultura de um grupo com uma herança social e cultural comum. As características de um grupo étnico incluem linguagem e dialeto comum, raça e práticas religiosas, As pessoas partilham as mesmas tradições, símbolos, músicas e preferências alimentares, entre outros aspectos.
Consideramos, portanto, que ao se pensar em identidade negra brasileira, temos que observar o conceito de etnia à luz de uma estrutura racista. Neste sentido, muitas pessoas da raça negra podem não apresentar nenhuma identificação com a etnia negra, partilhando porém os valores e a cultura do grupo hegemônico. Todavia, também podemos encontrar pessoas da raça branca que pela porta da religião (candomblé) ou do casamento passam a partilhar os valores da etnia negra inclusive se identificando como membro do grupo.
Doença
Num contexto de crenças tradicionais sobre doença, esta pode ser causada por um grande número de agentes, tais como a possessão espiritual e o mau-olhado. A doença pode ser atribuída a pessoas que têm a habilidade de tornar outros doentes (por exemplo, uma ialorixá). As pessoas que crêem nestas forças devem envidar esforços para cuidarem de si próprias, evitando as situações de inveja, ódio ou ciúme. Se a saúde é vista como uma recompensa por um bom comportamento, todo esforço é feito para evitar as situações nais quais possa-se comprometer o comportamento social ou religioso.
Pelo contexto da ciência hegemônica, a epidemiologia nos garante que a doença atinge primeiramente, e de forma mais grave, os pobres e, se nesse país negro e pobre são quase sinônimos, haja vista não haver qualquer indicador social a revelar o contrário, então podemos dizer que a doença está inscrita no cotidiano da etnia negra.
Mesmo em condições de transmissão teoricamente iguais a doença é seletiva e as instituições de saúde, historicamente, acentuam esse processo; o isolamento, a segregação dos doentes pobres, a diferença de tratamento e assistência aos ricos e poderosos, o desemprego, a fome auxiliam a sua compreensão.
Além disso, a doença é um elemento de desorganização e reorganização social, tornando freqüentemente mais visíveis as articulações essenciais do grupo, as linhas de força e as tensões que o traspassam. O acontecimento mórbido pode ser o lugar privilegiado de onde melhor observar o significado real dos mecanismos administrativos, as relações de poder ou a imagem que a sociedade tem de si mesma (REVEL e PETER 1988).
Todavia, em que pese a morbi-mortalidade das diversas doenças, no Brasil ignora-se sistematicamente o seu impacto sobre a população de etnia negra. Quando há necessidade, por algum motivo, dos pesquisadores brasileiros fazerem referência à população negra são obrigados a recorrerem à literatura internacional e, daí, traçarem o paralelo entre um grupo e outro (Cruz, 1990). Lançam mão deste recurso por ser bem mais fácil do que introduzir nos documentos da área de saúde o item cor/etnia e, mais do que isso, iniciar o processo ensino-aprendizagem sobre as particularidades étnicas da clientela a partir de uma perspectiva humanística, não-racista.
Sistema de Saúde
Uma rápida olhada nos usuários dos serviços públicos de saúde, no Brasil de hoje nos coloca o caminho da antropologia como um dos elementos da história social - a que nos interessa: lá estão, invariavelmente, a população marginalizada, formada maciçamente de pobres, particularmente, de crianças, velhos e mulheres, em sua quase totalidade, de etnia negra ou descendentes.
No que se refere à área da saúde, em especial, há o desafio de realizar pesquisas que sejam congruentes com as realidades vividas por populações etnicamente diversas. Isto exige o re-exame das bases teóricas, da representação da amostra, dos instrumentos de coleta de dados e do referencial de análise. Requer, principalmente, avaliação sobre a relevância dos achados dentro do contexto de forças e limitações. Estão ausentes os conceitos de cultura (etnia) ou raça (cor) nas pesquisas da saúde, uma vez que estes conceitos conotam diferenças para os referenciais teóricos. A perspectiva unicultural diminui a capacidade do pesquisador em elaborar interpretações alternativas.
São ignoradas as práticas tradicionais utilizadas para prevenir e tratar as doenças. A medicina popular (chás, ervas, minérios, etc) e a medicina mágico-religiosa (bori, rezas, curas, etc) coexistem em tensão crescente com a medicina moderna.
Dentre as práticas tradicionais, destacamos ainda o uso de objetos protetores que têm poderes místicos, o uso dos alimentos para prevenção ou cura. Cabe observar que determinadas religiões podem levar os clientes a recusar certos alimentos (peixe de pele) produtos terapêuticos como, por exemplo, a insulina de porco para o tratamento de diabetes.
Destacamos ainda as práticas religiosas para prevenção e cura de doenças como as orações, a queima de velas, as oferendas, entre outras.
Em observações não sistematizadas, verificamos que vários modelos de histórico de enfermagem e prontuários não possuem na parte referente a identificação do cliente o item etnia/cor. A escassez e/ou inexistência de dados sobre a morbi-mortalidade de pessoas de etnia negra no Brasil dificultam, portanto, a realização de uma análise sobre os indicadores das condições de vida e saúde deste grupo étnico em comparação a outros.
Esta ausência de dados impossibilita o estabelecimento de uma política de saúde, voltada para as especificidades da população negra. Conseqüentemente, a ausência do item cor/etnia nos registros da área de saúde parece se refletir no numero escasso de trabalhos publicados sobre o processo saúde/doença entre pessoas de etnia negra (CRUZ, 1990). Quando se argumenta sobre a necessidade de inclusão (ou re-inclusão) do item cor nos históricos e pesquisas, recebe-se em troca contra-argumentos referindo ser esta uma proposta discriminatória que prega inclusive um modelo bi-racial, nos moldes americanos.
Todavia, entendemos que a questão racial não é secundaria uma vez que em nosso trabalho cotidiano de enfermagem, utilizamos como referenciais a teoria transcultural e de autocuidado. Assim, o conhecimento sobre grupos étnicos, seus comportamentos, crenças e valores relativos à saúde e à doença é, portanto, uma necessidade para o exercício de qualquer profissão ou atividade na área de saúde.
No sentido de quebrar este silêncio e esta cegueira sobre tudo que se refere à etnia negra brasileira, o Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra - NESEN foi criado com o objetivo de realizar pesquisas sobre o tema e estimular discussões a respeito. Em razão do escasso número de trabalhos científicos sobre o processo saúde/doença da população negra brasileira e da necessidade de romper as fortes estruturas erguidas pela ideologia do branqueamento, o NESEN - Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra que busca construir um conhecimento referente à etnia negra sob sua própria perspectiva, têm desenvolvido estudos e pesquisas sobre esta temática. O NESEN foi criado para realizar, assessorar e divulgar pesquisas sobre o tema, além de estimular as discussões que favoreçam a compreensão da etnia negra brasileira enquanto força política.
Conclusão
Observamos que o estilo de vida imposto à população negra durante quatro séculos de escravidão não desapareceu com a Lei Äurea . Assim, a população afro-brasileira pós 1888 herdou do sistema escravocrata a pobreza crônica e o estresse nela embutido, além de um padrão alimentar pobre em fibras e rico em calorias, gordura e sódio. Herdou também o apreço ao cigarro e à aguardente. Ficou livre para morrer em consequência dos fatores de risco para a saúde
Para podermos traçar um perfil atualizado sobre o processo saúde/doença da população afrobrasileira, visando o estabelecimento de uma política pública de promoção do bem-estar, precisamos antes responder a algumas questões;
Qual a estrutura da família afrobrasileira?
Qual o conceito de vida?
Qual a percepção de saúde?
A que se atribui a doença?
O que é ser ou estar sadio/doente?
Quais são as doenças crônicas e os padrões de doença associados à cultura e aos grupos étnicos?
Como se previne a doença?
Quais são os remédios utilizados para prevenção e cura?
A partir da análise das respostas obtidas poderemos ter um quadro definido sobre o comportamento da população negra brasileira no que se refere às práticas de saúde. Com base nestes dados poderemos então estabelecer uma política de saúde verdadeiramente brasileira.
Referências Bibliográficas
CRUZ, I.C.F. da A mão-de-obra negra brasileira e a saúde. Ontem, hoje e amanhã. In: Seminário Nacional de Saúde e Trabalho, 1, Ribeirão Preto, 1990. Anais, Ribeirão Preto, Núcleo de Estudos de Saúde e trabalho - EEUSP, 1990. p.246-7.
FERREIRA, G.A. Identidade negra: descaminhos. Rev. São Paulo em Perspectiva, v. 2, n. 2, p. 35-7, 1988.
FRY, P. Somos todos racistas. Ciência Hoje, v. 8, n. 46, p. 68-72, 1988.
OLIVEIRA, R. de Escola e dominação: sistema educacional reprovado. Rev São Paulo em Perspectiva, v.2, n. 2, p. 35-7, abr/jun, 1988.
PINTO, R.P. Raça e educação : uma articulação incipiente. Cad. Pesq., n. 80, p. 41-51, fev. 1992.
PORTER, C.P.; VILLARRUEL, A.M. Nursing research with African American and Hispanic people: guidelines for action. Nursing Outlook, v. 41, n. 2, p. 59-67, 1993.
POTTER, P.; Cultural Diversity. In: SKIDMORE, T. E. Fato e mito: descobrindo um problema racial no Brasil. Cad Pesq, n. 79, p. 5-16, nov. 1991.

Deuses africanos no Brasil contemporâneo (Introdução Sociológica ao Candomblé de Hoje)

A PADILLA: HISTÓRIA, MITO E TEATRO
Armindo Bião
1
Universidade Federal da Bahia – UFBA
Etnocenologia, Doña María de Padilla, Maria Padilha.
A pesquisa constrói um corpus histórico, antropológico, poético e dramatúrgico sobre uma personagem histórica espanhola e uma entidade da umbanda brasileira.

A personagem histórica
2
Mari Díaz nasceu numa importante família de Castela, provavelmente na região de Palência. Por volta dos 20 anos, em maio de 1352, ficou conhecida como Doña María de Padilla, ao encontrar o jovem Rei Don Pedro (com 18 anos incompletos), de quem foi amante até a morte, por causas naturais, em julho de 1361. Tiveram um filho (falecido criança) e três filhas (duas as quais se casariam com filhos do Rei Eduardo III, da Inglaterra), todos legitimados infantes reais posteriormente (ROS, 2003: 163).

D. María foi, segundo todos os que se dedicaram à matéria, a favorita do rei, que teve várias mulheres e cinco filhos reconhecidos (nenhum dos quais com a única incontestavelmente tida em vida como Rainha de Castela, Branca de Bourbon). De fato, D. Pedro só fez de D.María Rainha de Castela em abril de 1362 (nove meses após sua morte), ao declarar, com a aquiescência das autoridades eclesiásticas de Sevilha, terem se casado em segredo, mesmo já tendo se casado duas vezes, formal e publicamente: com a nobre francesa Branca de Bourbon, em junho de 1353; e com a portuguesa Joana de Castro (meia-irmã da “linda” Inês, que também, como D. María, fora rainha depois de morta), em 1354 (AYALA, 1991: 100).
D. Pedro foi o único filho legítimo dos primos-irmãos (primos carnais pelos lados materno e paterno) o rei Afonso XI, de Castela, e a princesa portuguesa Maria ("A fermosíssima Maria" dos Lusíadas de Camões), irmã do também rei Pedro I, o Cruel (o português Pedro de Inês), tio de seu homônimo espanhol. Além de ter ordenado a morte de sua legítima esposa, a rainha desprezada Branca, em 1361, D. Pedro foi responsável por outras mortes,entre as quais a da amante de seu pai, Leonor de Gusmão. Com dois dos filhos ilegítimos de D. Leonor com seu ai, D. Pedro se digladiaria até a morte (em 1369), tendo matado um, Don Fadrique, em 1358,e sido morto por outro, Don Henrique II, de Trastâmara (1333?/ 1379), que lhe sucederia (ROS, 2003: 166). Talvez não tão curiosamente assim, dado o encadeamento de todo tipo de peripécia e dos muitos casamentos endógenos nesse contexto, o filho deste, o Rei Henrique III, se casaria com Doña Catalina, neta de D. Pedro e de D. María e filha de Doña Constanza (filha deles) e do Duque de Lancaster (filho do Rei Eduardo III, da Inglaterra), selando, assim, a paz familiar, entre os descendentes dos meio-irmãos Pedro e Henrique, ambos assassinos de meio-irmãos e ambos também tataravôs de Isabel, a Católica (1451/ 1504), neta de seus netos Catalina e Henrique III (AUGRAS, 2001, p. 305).
A personagem mítica
O romancero viejo (ROIG, 2007) espanhol, do tipo considerado por Pidal (1968, I: 301) “romances noticiosos” ou, por Díaz-Mas, “romances históricos” (2001: 97 e s.; 392), contém todo um Ciclo de Don Pedro el Cruel (AUGRAS, 2001: 305 e s.), que prosperou em paralelo ao desenvolvimento do país a partir do reinado de Henrique II, o inaugurador da dinastia dos Trastâmara. Nesse conjunto de histórias cantadas com versos de sete sílabas, o rei derrotado, Pedro, é sempre descrito como o Cruel e María de Padilla como uma adúltera sedutora, dominadora e intrigante, pactuando com o mal. No romanceiro, o mal é a feitiçaria, que seria praticada, sobretudo, pelos judeus, relativamente bem tolerados anteriormente e que seriam perseguidos por Henrique II e seus descendentes, até Isabel, a Católica, que os expulsaria da Espanha. Esses romances apareceram já no século XIV, mas cresceram em número e imaginação e se divulgaram durantes os séculos XV, XVI e XVII, inclusive por Portugal (sob o domínio espanhol de 1580 a 1640).
A Inquisição em Portugal e na Espanha deixou registradas invocações de “feiticeiras” a “Maria Padilha com toda sua quadrilha” e, também, à passagem de algumas dessas mulheres “perigosas” pelo Brasil, entres os séculos XVII e XVIII (MELLO E SOUZA, 1986: 168; AUGRAS, 2001: 308 e s.; MEYER, 1993). Talvez aí resida a eventual relação histórica entre as duas rsonagens, a da tradição histórica e a do imaginário religioso, que prosperaria em nosso país, no âmbito dos cultos afro-brasileiros.
A literatura romântica francesa e a ópera popular, que a partir dela se desenvolveu,divulgariam, por todo o mundo, as belas “feiticeiras” ciganas andaluzas, tendo Prosper Mérimée, o autor de Carmem, não apenas incluído uma nota em sua novela a propósito de Marie Padilla (1965: 163; 1990: 92), como também se dedicado a escrever uma biografia de D. Pedro (1961). Aliás, foi a partir daí que Roberto Motta (1990: 55; 1995: 182; 1998: 114), pela primeira vez, relacionou a personagem histórica espanhola à entidade religiosa brasileira.
O teatro espanhol (desde Lope de Vega) e também o francês, sobretudo o do período romântico, faria de D. Pedro e D.María protagonista e a antagonista (e vice versa),enfatizando sempre a crueldade do homem e a doçura da mulher. Esse antagonismo deve ter sido inspirado,principalmente, nas Crónicas de Ayala, de acesso mais restrito, contradizendo o muito popular romanceiro velho e, também, de modo radical, a concepção brasileira – também muito popular - das diabólicas marias padilhas - e até mesmo a circunstância em que Carmen a invocava na novela de Mérimée. Bem revelador do caráter bondoso atribuído por Ayala e os dramaturgos românticos a D. María de Padilla é o título de sua única biografia, escrita pelo especialista na história de Sevilha Carlos Ros: Doña María de Padilla: el ángel bueno de Pedro el Cruel (2003).
A personagem teatral

O caráter bondoso, de uma vítima do destino e dos desatinos do Rei D. Pedro, de D. María, parece de modo evidente no repertório do teatro, como, por exemplo, no melodrama em três atos Maria Padilla, impresso em Lisboa em 1845, pela Tipografia de P. A. Borges, numa edição bilíngüe italiana (em versos, de Caetano Rossi) e portuguesa (em prosa), “para se representar no R. T. São Carlos”, como libreto da ópera de Caetano Donizetti.
Dividido em três atos, esse melodrama apresenta inicialmente Maria e uma sua irmã chamada Inês, na casa de seu pai, celebrando o casamento dessa última e comentando o desejo de Maria de ser rainha, ainda que amando e sendo correspondida nesse amor por um plebeu, na verdade o futuro Rei D. Pedro disfarçado. Ainda no primeiro ato, acontece o rapto de Maria pelo falso plebeu e sua reação indignada, que ameaça matar-se, mas que enfim se entrega e concorda que fique em segredo esse “matrimônio”.
O segundo ato se passa no Alcazar de Sevilha durante uma festa oferecida por D. Maria ao já então proclamado Rei. O pai de Maria declara seu desejo de vingança por ter sido desonrado com o rapto de sua filha. Inês informa a Maria que seu marido matou um amigo do rei e Maria lhe diz que o rei o perdoou e que ela irá, em seguida, pedir perdão a seu pai, enquanto este é preso ao atacar o rei. No clímax da festa e da descoberta do martírio do pai, Maria se amaldiçoa e ao rei.
No último ato, num quarto, ao lado do pai moribundo, que não a reconhece, Maria lhe mostra a declaração escrita de seu casamento com o rei, mas seu pai a rasga. Fora, louva-se Branca, a jovem rainha, que então se casa publicamente, por motivos de estado, com D. Pedro. Maria leva seu pai até a cena do casamento e interpela o rei, que declara lhe preferir à nova esposa. Maria morre de emoção e o pai enfim a reconhece.
3
.Conclusão
O perfil de D. Maria traçado nesse melodrama é exemplar da caracterização da personagem teatral que nos interessa e que contraria o romanceiro velho espanhol. Relativamente fiel às crônicas de Ayala, esse perfil é também antípoda da caracterização da personagem mítica da umbanda brasileira, possivelmente herdeira do imaginário ibérico enraizado nos romances tradicionais e registrado pelos processos inquisitoriais.
O fato é que as artes do espetáculo, do romanceiro, do teatro, dos ritos religiosos e dos autos da fé, têm sido boa cena para a história e o mito de Doña Maria de Padilla a Maria Padilha.
Bibliografia
AUGRAS. Monique R. María Padilla, reina de la magia. In: Revista Española de
Antropología Americana, n. 31. Madrid: [s. n.], p. 293-319, 2001.AYALA, Pero López. Crónicas. Barcelona: Planeta, 1991.
DÍAZ-MAS, Paloma (Ed.). Romancero. Barcelona: 2001.
Maria Padilla: Melodrama em 3 actos para se representar no R. T. São Carlos. Lisboa:
Typographia de P. A. Borges, 1845, 79 p.
MÉRIMÉE, Prosper. Histoire de Don Pèdre Ier, roi de Castille. Paris: Didier, 1961.
MÉRIMÉE, Prosper. Carmen et treize autres nouvelles. Paris: Gallimard, 1965.
MÉRIMÉE, Prosper. Carmen: texte integral; les clés de l’oeuvre. Paris: Pocket, 1990 ;
1999.
MEYER, Marlyse. Maria Padilha e toda sua quadrilha: de amante um rei de Castela
a Pomba-Gira de Umbanda. São Paulo: Duas Cidades, 1993.
MOTTA, Roberto. O Sexo e o Candomblé: Repressão e Simbolização. In: PITTA,
Danielle Perin Rocha; MELLO, Rita Maria Costa (Org.). Vertentes do Imaginário. Recife:
EDUFPE, 107-114, 1995.
MOTTA, Roberto. Transe du corps et transe de la parole dans les religions syncrétiques
du Nordest du Brésil. In: Cahiers de l’Imaginaire n. 5; n. 6. Paris: L’Harmattan, p. 47-62,1990.
MOTTA, Roberto. Transe, Possessão e Êxtase nos Cultos Afro-brasileiros do Recife.
In: CONSORTE, Josildeth Gomes; COSTA, Márcia Regina da (Org.). Religião, política,
identidade. São Paulo: EDUC, p. 109-120, 1988.
PIDAL. Ramón Menéndez. Romancero hispánico (hispano-portugués, americano y
sefardí): teoría y historia. Madrid: Espasa-Calpe, 1968.
ROIG, Mercedes Díaz (Ed.). El romancero viejo. 23ª. ed. Madrid: Cátedra, 2007
ROS, Carlos. Doña María de Padilla: el ángel bueno de Pedro el Cruel. Sevilla:
Castillejo, 2003.
SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz: Feitiçaria e religiosidade
popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
VILLAESPESA, Francisco. Doña Maria de Padilla. Madrid: Renacimiento, 1913.
CAOS – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, n. 4, Setembro / 2009 Página 156
www.cchla.ufpb.br/caos
ISSN 1517-6916
CAOS - Revista Eletrônica de Ciências Sociais
Número 14 – Setembro de 2009
Pàg. 156 - 165
A visão do Feminino nas Religiões Afro-brasileiras
1
Ivana Silva Bastos
2
Resumo
Discute-se, a partir de pesquisa feita em João Pessoa, o papel que a mulher e o feminino
ocupam nas religiões afro-brasileiras, especialmente, no candomblé.Palavras-chave: Religiões afro-brasileiras, gênero, sexualidade, poder e classe.

Introdução: sobre mulheres e religião

O estudo sobre religião é fundamental, pois mesmo com o processo de secularização
pelo qual estamos passando, ela continua sendo uma das bases importantes para a
(re)construção sócio-cultural da identidade do povo brasileiro. Em nosso país, o aspecto
religioso sempre foi muito influenciador, e continua sendo.
Quando há o cruzamento de religião e gênero, muito pode ser discutido. Quando aí se
inserem questões étnicas e de classe, mais questões surgem e, no universo das religiões afrobrasileiras, todos esses pontos estão entrelaçados.
A religião é, antes de tudo, uma construção sócio-cultural. Portanto, discutir
religião é discutir transformações sociais, relações de poder, de classe, de
gênero, de raça/etnia; é adentrar num complexo sistema de trocas simbólicas,
de jogos de interesse, na dinâmica da oferta e da procura; é deparar-se com
um sistema sócio-cultural permanentemente redesenhado que
permanentemente redesenha as sociedades (SOUZA, 2004, p. 122-123).
Nas religiões afro-brasileiras, particularmente, o sexo feminino parece ocupar uma
posição de maior destaque em comparação às outras religiões. Podemos perceber que na
religião católica, não é permitido às mulheres dirigir a cerimônia de maior destaque, que é a
missa. Nos templos evangélicos e pentecostais a situação se repete, pois a grande maioria de
bispos é do sexo masculino. Há pouco tempo, começaram a surgir timidamente, algumas
mulheres nessa posição. E isso é percebido em outras religiões como o budismo, onde as
práticas e instituições budistas não são neutras quanto ao gênero (ROSADO-NUNES, 2005,
p. 365). Também no islamismo que é uma das mais restritivas no que diz respeito às mulheres
(ROSADO-NUNES, 2005, p. 364/365), dentre outras.
Se o público de fiéis que engrossam as fileiras das instituições religiosas é
majoritariamente feminino, como explicar que às mulheres ainda seja vetada a
participação como ministras ordenadas na Igreja Católica e em um sem
número de igrejas protestantes “clássicas” e pentecostais? (ORTNER E
WHITEHEAD, 1981, p. 16 apud SEGATO, 2000, p. 88).
A tradição judaico-cristã, ingerenciou a cultura universal, “sendo os homens superiores
em toda a sociedade conhecida” (Idem). Contudo, chama a atenção um grupo (adeptos (as) 157
das religiões afro-brasileiras) que destoa num tipo de comportamento que parece generalizado
e, por isso, será o foco de investigação neste trabalho.
Numa pesquisa realizada em João Pessoa entre agosto de 2007 e agosto de 2008 (O
Perfil dos Terreiros de João Pessoa – Programa de Iniciação Científica PIBIC/CNPq), foram
visitados 28 terreiros e, entrevistados(as) os(as) seus(suas) dirigentes. Como resultado, foi
constatado que, nesta capital o número de mulheres predomina sobre o de homens nos
terreiros. Este assunto já foi, inclusive, abordado por vários autores. Teixeira, por exemplo,
afirma que a religião é predominantemente feminina: “Os terreiros de candomblé têm sido
percebidos por estudiosos, literatos e público de maneira geral como espaços primordialmente
femininos” (TEIXEIRA, 2000, p. 197). Fenômeno curioso que acontece, como se pode
perceber com certa naturalidade, esse da predominância numérica feminina também em outras
religiões. “Ao adentrarmos uma das muitas igrejas ou templos que se espraiam nesse Brasil de
religiosidade plural e forçadamente ecumênico, notamos de imediato a forte presença
feminina. As mulheres compõem, de fato, a maioria da população de fiéis” (ROSADONUNES, 2005, p. 364).
No entanto, é significante dizer que essa participação não se dá na definição das regras e
doutrinas dessas religiões, a interação das adeptas se dá, principalmente, na prática religiosa
(Idem, p. 363). Porém, isso parece se diferenciar nas práticas dos cultos afro-brasileiros.
Historicamente, os homens dominam a produção do que é ‘sagrado’ nas
diversas sociedades. Discursos e práticas religiosas têm a marca dessa
dominação. Normas, regras, doutrinas são definidas por homens em
praticamente todas as religiões conhecidas. As mulheres continuam ausentes
dos espaços definidores das crenças e das políticas pastorais e organizacionais
das instituições religiosas. O investimento da população feminina nas
religiões dá-se no campo da prática religiosa, nos rituais, na transmissão,
como guardiãs da memória do grupo religioso (ROSADO-NUNES, 2005, p.
363).
Ao que parece, nas religiões afro-brasileiras isso se dá de maneira diferente. Para
averiguar a suspeita, serão utilizadas entrevistas feitas com uma mãe de santo pessoense, com
o intuito de investigar mais especificamente sobre os papéis femininos nesses espaços
religiosos.
Para compreender as afirmações feitas pelos autores e o resultado da pesquisa que
garantem o predomínio de mulheres, é necessário mergulhar no passado e investigar os
possíveis motivos que justifiquem este fenômeno. Quando questionada a este respeito, a
sacerdotisa entrevistada diz o seguinte:
A nossa religião, na África é comandada por homens, no Brasil se deu o
inverso, porque aqui as mulheres foram as primeiras a conseguir as alforrias.
Quando elas conseguiam as alforrias, elas já se tornavam comerciantes, elas
vendiam jóias, vendiam mugunzá, elas vendiam acarajé, as chamadas negras
vendeiras, que na Bahia, botaram o nome de mulheres do partido alto (...)
então, com essas vendas, elas começaram a comprar os seus pares e também a
comprar seus companheiros tanto maritalmente como companheiros da
escravidão (...). A partir daí, elas conseguiam a alforria e a independência
econômica primeiro do que os homens (...) talvez tenha sido Iemanjá que deu
essa força pra elas e Oxum, as Iabás certo, porque eu acredito que, como
vieram pelo oceano, Iemanjá que deixou elas chegarem aqui, então eu acho
que Iemanjá olhou assim e disse “Na África quem comanda são os homens,
mas quem vai comandar no Brasil somos nós as mães, as mulheres”. Aí houve
essa troca, as mulheres vão e formam os primeiros candomblés, porque a
maioria era tudo sacerdotisa ou iniciada na religião dos antepassados dos
orixás divinizados - e com a escravidão eles tinham que fazer mil peripécias, 158
às vezes até faziam um samba, os senhores de engenho pensavam que era um
samba, mas na verdade eles estavam louvando os orixás - aí essas velhas, que
ficaram três famosas na Bahia foram Iyanassô, Adetá e Iyakalá. Adetá
faleceu, Iyakalá voltou para a África e Iyanassô permaneceu no Engenho da
Casa Branca, no Engenho Velho, em Salvador. Dessa casa matriz, aí vocês já
sabem a história né, surgiram as principais casas de Salvador, que regem
soberanas: o Gantois, o Afonjá e a Casa Branca (Entrevista com mãe de santo
do candomblé, 04/04/2008).
Na citação acima, a mãe de santo fala da importância das mulheres na origem das
chamadas religiões de matriz africana, no Brasil. Nessas religiões, o maior posto na
hierarquia, é ocupado tanto por homens quanto por mulheres, porém, a maioria dos adeptos é
do sexo feminino e, na entrevista realizada, a dirigente confirma esta informação, dizendo que
em seu terreiro a presença feminina é predominante.
Retomando a citação feita pela entrevistada, a sacerdotisa menciona nomes de três
africanas que ficaram famosas pela ligação com o surgimento dos primeiros terreiros, em
Salvador. Veremos adiante que o que é dito por ela é reafirmado por Vagner Gonçalves da
Silva.
O terreiro Ilê Iyá Nassô (Casa de Mãe Nassô), é conhecido popularmente
como Casa Branca do Engenho Velho, localizado em Salvador. Este terreiro,
até onde se sabe, foi fundado no século passado por três ex-escravas iorubas,
cujos nomes africanos eram Adetá, Iyakala e Iyanassô, vindas da cidade de
Keto (SILVA, 1994, p. 59).
A sacerdotisa fala também sobre a autonomia feminina no período pós-escravidão,
quando as negras comercializavam principalmente alimentos para seu próprio sustento e de
seus filhos e, além disso, libertavam outros escravos e escravas, pagando-lhes as alforrias.
Sobre as “negras vendeiras” Silva diz:
As mulheres negras, tidas por exímias cozinheiras, quando não continuaram
como empregadas domésticas na casa de seus antigos donos se estabeleceram
vendendo, em seus tabuleiros, doces, acarajés, abarás e outras comidas da
culinária africana feitas na hora, ali mesmo na rua (Idem, p. 52).
Podemos, assim, verificar, que há semelhanças entre as falas do autor e da entrevistada e
ambos fazem alusão à autonomia feminina em oposição à masculina, no que concerne à
questão econômica.
Para compreender melhor esse processo, voltemos ainda um pouco mais no tempo, para
entender o que muitos autores chamam de matriarcado na religiosidade afro-brasileira. Verger
fala que na sociedade nagô-iorubana (na África) um homem podia casar com até quatro
mulheres, mas mesmo nessas circunstâncias, a mulher gozava de certa independência.
Estas mulheres podem circular livremente e fazer os mercados das cidades
vizinhas ou relativamente afastadas. Como são geralmente boas comerciantes,
tornam-se, em pouco tempo, mais ricas do que o respectivo marido e muitas
vezes, amealham fortunas consideráveis. O que, no entanto, não dispensa este
da obrigação de assegurar a subsistência das suas mulheres e filhos
(VERGER, 1992, p. 100).
O autor diz ainda que a influência das mulheres no candomblé se fazia sentir mais do
que a dos homens, porque elas eram mais numerosas a poder comprar a sua liberdade (como
eram boas comerciantes, conseguiam dinheiro com mais facilidade que os homens) e “uma
vez emancipadas, elas podiam mais facilmente dispor do dinheiro necessário à prática dos
cultos africanos” (Idem, p. 102).
“Por toda a África” à mulher se deu tradicionalmente grandes oportunidades
(como propriedade e controle de hortas e pomares, mercados, negócios 159
domésticos, sociedades secretas) e reconhecimento oficial (de sacerdotisa e
médium, os paços da rainha e outras entidades que tratam de interesses
femininos); por vezes a mulher as partilhava com os homens. Este era bem o
caso nas complexas sociedades da África Ocidental de onde veio, ou
descendia, grande parte da população escrava (...).
Por toda parte onde o negro vive no Novo Mundo, as mulheres ainda lavram a
terra e controlam os mercados e nas cidades trabalham como domésticas
(LANDES, 1967, p. 313/314).
A atenção, até o momento, foi focada mais intensamente no aspecto econômico, mas
existem outros aspectos nele embutidos e passaremos a discuti-los agora.
Nas primeiras décadas do século XVI, quando teve início o tráfico de negros para o
Brasil, os donos de escravos vendiam separadamente homens e mulheres, inclusive aqueles
que eram cônjuges (DEGLER, 1971, p. 37 apud SEGATO, 2000, p. 80). Além disso, a maior
parte da população escrava jamais se casou ou viveu maritalmente.
Antes de 1869 (...) a lei não dava proteção alguma à família escrava no Brasil
(...) um vigoroso comércio interno com escravos desfez muitas famílias, seja
com uniões legitimadas pela Igreja ou não. O comércio interno de escravos foi
especialmente ativo depois de 1850, quando o tráfico externo estava fechado
(...) (DEGLER, 1971, p. 37-38 apud SEGATO, 2000).
Observa-se que não foi estimulada, muito pelo contrário, a formação de família entre os
escravos e, diante disso, o comportamento entre esse grupo começa a se diferenciar do
modelo familiar patriarcal predominante na sociedade brasileira. Se bem que é significante
ressalvar que a questão da estabilidade no casamento é uma atitude politicamente correta, que
significa uma defesa intransigente do reconhecimento de comportamentos morais
resguardadas pelos “brancos” e suas famílias.
Além do mais, também crianças eram separadas de suas mães pelo tráfico e ocorreram
situações em que os donos venderam seus próprios filhos com mulheres escravas (DEGLER,
1971, p. 38 apud SEGATO, 2000, p. 80). Diante dessas condições, ficava impossível para a
maior parte dos escravos ter uniões estáveis ou constituir família.
As relações entre mulheres e os homens de raça negra (...) eram tensas e à
escassez numérica das primeiras somaram-se outros inconvenientes. (...) os
homens não podiam oferecer proteção ou qualquer outro benefício a suas
possíveis mulheres; pelo contrário, muito provavelmente eles poderiam
tornar-se seus dependentes e uma carga para elas. Assim, muitas mulheres
negras rejeitaram casar-se ou tentar qualquer tipo de união com escravos ou
seus descendentes (SEGATO, 2000, p. 82).
Já que não houve uma figura paterna de onde emergisse poder, estabilidade, proteção e
segurança, este papel acabou sendo atribuído às mães, já que delas provinha o sustento da
família. Enquanto isso, depois de terminada a escravidão, os homens foram condenados ao
desemprego e até expulsos dos trabalhos que executaram por tanto tempo, para serem
substituídos pelos imigrantes (Idem, p. 83).
De fato, o poder e a autoridade que os homens tradicionalmente podiam
exercer sobre suas mulheres e descendentes mesmo naquelas sociedades
africanas onde elas têm mais acesso à independência econômica e a posições
de alto status, foram minados no Brasil pelas leis da escravidão. Estes
homens, então, perderam qualquer tipo de controle sobre esposas e filhos e
foram expulsos dos papéis sociais que sempre haviam desempenhado.
Nenhuma identidade alternativa foi deixada ao seu alcance no que diz respeito
às relações familiares (...) Com isto, um dos produtos sociais da escravidão
foi, provavelmente, não só a mudança dos padrões de comportamento, mas,
sobretudo, no que se refere às concepções do que homens e mulheres 160
representam culturalmente e do que se espera que façam socialmente. Esta
situação foi prolongada depois do fim da escravidão como conseqüência da
marginalidade econômica a que ficaram condenados os homens de cor
(SEGATO, 2000, p. 84).
No período pós-escravidão, as mulheres conseguiram trabalhar com mais facilidade do
que os homens e quase não se casavam, entretanto, não se pode esquecer que o modelo, de
certa maneira imposto pelo catolicismo e pela influência portuguesa, atingiu também estes
grupos e, claro, existiram casos em que havia uma estrutura familiar semelhante aos padrões
predominantes, esperando-se do homem o sustento de sua família.
Predominância feminina na liderança de terreiros
Segundo Verger, as mulheres preservaram o mesmo espírito de iniciativa que tinham na
África. “Isto explica já em parte a tradição das mães autoritárias, visíveis em alguns
candomblés de origem nagô da Bahia” (VERGER, 1992, p. 101).
Landes comenta ainda, num artigo publicado originalmente em 1940, sobre a
predominância de mulheres na direção dos terreiros, em Salvador.
Esses sacerdócios nagôs na Bahia são quase exclusivamente femininos. A
tradição afirma, redondamente, que somente as mulheres estão aptas, pelo seu
sexo, a tratar as divindades e que o serviço dos homens é blasfemo e
desvirilizante. Embora alguns homens se tornem sacerdotes, a razão, ainda
assim, é de um sacerdote para cinqüenta sacerdotisas (LANDES, 1967, p.
285).
Em 1971 foi realizada uma pesquisa por Vivaldo da Costa Lima, investigando a
quantidade de mulheres como sacerdotisas líderes de terreiros no candomblé da Bahia,
resultando na seguinte proporção: 75% de mulheres contra apenas 25% de homens chefiando
terreiros:
(...) nas 136 casas estudadas nas duas fases da pesquisa – 102 são dirigidas
por mulheres e 34 por homens. O percentual aumentou consideravelmente
desde a pesquisa de Carneiro, que dava, nos anos 40, um pouco mais de 50%
para as mulheres, num total de 67 terreiros registrados na União das Seitas
Afro-Brasileiras da Bahia (LIMA, 2004, p. 79).
Na pesquisa realizada em João Pessoa, citada no início do texto, entre os 28 terreiros
mapeados, 16 eram dirigidos por homens e apenas 12 por mulheres. Por outro lado, foram
localizados mais 50 terreiros (acreditamos que exista um número bem maior que este só na
capital paraibana) que não foram visitados e a amostra é muito pequena para que sejam tiradas
maiores conclusões. Mesmo assim, os dados apontam para a possibilidade de que, em João
Pessoa, não ocorra a predominância feminina na direção dos terreiros (entre os/as adeptos/as a
maioria de mulheres foi comprovada pelos informantes), situação que, se confirmada,
necessitaria de explicação.
Em alguns terreiros, nos mais conservadores, a supervalorização das mulheres como
dirigentes de terreiro ainda é predominante. Neles, há restrições para homens. A sacerdotisa
entrevistada revela que na Casa Branca, uma das mais tradicionais de Salvador, não há
iniciação de homens prováveis pais de santo, há somente iniciação de ogãs.
Elas não iniciam homens, porque a casa é totalmente feminina, como na casa
da minha mãe de santo no Afonjá. A minha mãe de santo inicia homens, mas
jamais quando ela fechar os olhos, homem nenhum senta naquela cadeira,
senta-se mulher (...) a casa da minha mãe completa 100 anos em 2010, ela é a
5ª mulher que está no poder (Entrevista realizada dia 04/04/2008).161
O que impressiona é como, na mitologia que dá base ao candomblé e à umbanda, a
mulher está, em muitos casos, acima do homem, em posição principal em grau de
importância. Essa posição ajuda a explicar mais sobre a respeitável posição feminina presente
na religiosidade hoje. Sobre as mães ancestrais, importantes entidades das religiões afrobrasileiras, que são muito temidas, diz-se:
O seu marido desempenha rápido papel fecundante, qual zangão, e depois ela
o mata. “Ela é o poder em si, tem tudo dentro do seu ser. Ela pode tudo. Ela é
um ser auto-suficiente, ela não precisa de ninguém, é um ser redondo,
primordial, esférico, contendo todas as oposições dentro de si. Awon Iyá wa
são andróginas, elas têm em si o Bem e o Mal, dentro delas elas têm a
feitiçaria e a antifeitiçaria, elas têm absolutamente tudo, elas são perfeitas”
(CARNEIRO DA CUNHA, 1984, p. 8 apud AUGRAS, 2000, p. 20).
A pioneira nesse tipo de discussão foi Ruth Landes (1967), que argumentou a respeito
das relações de gênero “transgressoras” que predominavam nos cultos afro-brasileiros e que
colocavam as mulheres em funções centrais nas casas religiosas.
Além da promoção do empoderamento feminino, há outros aspectos da visão de mundo
do povo de santo que chamam atenção e que merecem um maior desdobramento. Um deles é
o que mencionei anteriormente sobre a relação “conflituosa” entre homens e mulheres negros,
pois enquanto elas conseguiram trabalho e independência financeira, eles ficaram
desempregados (substituídos pelos imigrantes no período pós-escravidão) e isso dificultava as
uniões conjugais, pois para essas mulheres a união com homens dependentes não parecia
interessante. Isso ocasionou uma aparente desvalorização do casamento e uma mudança na
percepção sobre estrutura familiar entre os antecedentes do grupo estudado.
Outro fator que corrobora com o que está sendo indicado é que não há (“originalmente”)
cerimônias de casamento no culto. Ao mesmo tempo, o culto exige responsabilidade e
dedicação que muitos companheiros não aceitam e deve haver prioridade do orixá sobre estes,
o que é repetido inúmeras vezes pelos pais e mães de santo nos terreiros (SEGATO, 2000, p.
62).
Essa visão diferenciada no que tange à estrutura familiar ganha maior visibilidade e
interessa-nos um maior aprofundamento, devido à possível relação com outro elemento que
também merece atenção: a predominância da família de santo em detrimento da família de
sangue (ver SEGATO, 2000).
Além da promoção do empoderamento feminino e do aspecto divergente no que tange
ao matrimônio, há outros aspectos da visão de mundo do povo de santo que são vistos como
práticas “transgressoras” pela sociedade em geral, como por exemplo, o pensamento
aparentemente diferenciado no que diz respeito a aspectos de gênero e sexualidade
(principalmente a descentralização do papel da heterossexualidade). Esses assuntos são
contemplados sob uma outra ótica, vistos com mais naturalidade pelo grupo religioso.
Nas religiões em geral e nas afro-brasileiras, em particular, não se falou sobre
sexualidade durante muito tempo, porque os estudiosos faziam suas pesquisas em terreiros
cujos valores morais e sociais eram compatíveis com os seus (um tipo de modelo ideal de
terreiro). Quanto aos outros, não eram considerados autênticos e, dizia-se que eram chefiados
por charlatães (BIRMAN, 2005, p. 406).
Felizmente essa visão veio aos poucos se desfazendo e outros estudos foram realizados
sobre sexualidade. Dessa maneira, pesquisadores começaram a notar que enquanto a visão de
gênero é inata na sociedade em geral, o povo de santo vê de um panorama diferente e, pelo
que foi apreendido até agora, realmente na concepção do grupo estudado, o gênero não é
inato. Não predomina entre eles o pensamento essencialista biológico. Há a compreensão de
gênero como algo influenciado sócio-culturalmente e, nos hábitos do grupo, essa “obrigação” 162
de ser só e somente heterossexual aparenta não ter grande aceitação.
Esses e outros pontos nos fazem inferir que há entre os adeptos uma maior abertura para
expor aspectos da sexualidade, que geralmente são reprimidos tanto por motivos religiosos
quanto morais, baseados numa visão de mundo onde predomina o ocultamento da
sexualidade, imposto pela sociedade e denominado “pecado” pelo cristianismo. Esse
“pecado” deve ser controlado única e exclusivamente pela instituição do matrimônio e com a
finalidade da reprodução, sendo este aspecto muito forte já que é um princípio da Igreja
Católica, num país católico.
A nossa hipótese que precisa ser melhor esquadrinhada é que a heterossexualidade não é
naturalizada no ponto de vista do povo de santo, como o é no ponto de vista da sociedade em
geral (se bem que muitas discussões têm sido levantadas a este respeito). Há na visão de
mundo dos ditos “normais” um discurso de anti-natureza dos homossexuais, um
“essencialismo moldado culturalmente pela religião (principalmente a evangélica),
subsumido às concepções cosmológicas e doutrinárias. A natureza de que se fala é “natureza
divina” (NATIVIDADE, 2006, p. 122). A homossexualidade é apreendida como algo
anormal, esse é principalmente o discurso usado por adeptos da maioria das outras religiões.
Retomando o tema do casamento, as adeptas dos cultos tratados aqui são apontadas nos
estudos como mulheres independentes que não dão tanta importância para o matrimônio, por
todos os motivos acima mencionados e pelo fato de essas mulheres não terem nenhuma
segurança no que diz respeito ao compromisso do homem sustentar sua família. Creio que
essa desvalorização do casamento continue acontecendo por dois motivos: o primeiro é que a
secularização tem impulsionado uma vida diferente para homens e, principalmente para
mulheres, pois hoje há uma tendência maior a se pensar em estudar mais, trabalhar e buscar
uma independência financeira antes de qualquer outra coisa (e essa tendência também atinge
as religiosas dos cultos afro-brasileiros, pois este grupo está inserido num grupo maior e,
claro, é por ele também influenciado); segundo, porque, como vimos, o grupo em questão foi
aproximado com uma cultura (como tivemos a oportunidade de ver acima) que não valorizava
o casamento legal, pois, desde a escravidão as uniões estáveis não eram estimuladas e além
disso, as mulheres não viam vantagem em ter um parceiro fixo, pois estes só dificultariam
suas vidas e a união seria uma desvantagem para elas. Como conseqüência de tudo isso,
descobrimos nos terreiros, mulheres que são donas de si, que não se sentem propriedades dos
seus companheiros e que só devem reverência aos seus orixás. Landes, por exemplo, aponta o
exemplo de uma de suas principais informantes, Zezé: “Ela sempre se referia a si mesma
como Zezé de Iansã, e não como Sra. Silva, para demonstrar que “pertencia” à sua deusa e
não a Manuel (seu companheiro). Todas as sacerdotisas assim faziam e isso refletia a sua
independência pessoal” (LANDES, 1967, p. 158; grifos meus).
Acredito, contudo, que Ruth Landes se limitou muito ao fazer tal comentário, porque os
homens também fazem esse tipo de referência, associando seus nomes aos de seus orixás. Isso
pode acontecer por três motivos: o primeiro é a importância dada à família de santo; o
segundo é que esse nome adotado acaba sendo o mais conhecido por todos na comunidade (na
Paraíba e no Nordeste isso é muito comum, inclusive em diferentes grupos sociais, com
diferentes níveis de renda); e o terceiro é que o nome é um título, conferindo maior status
àquela sacerdotisa, até mesmo em outros espaços fora da comunidade de santo.
Nesse contexto, um outro exemplo, exposto pela mesma autora, é o de Mãe Menininha
(Escolástica Maria de Nazaré), sacerdotisa do Gantois, a mais conhecida dirigente de terreiro
no mundo do Candomblé (e fora dele), reforçando essa visão bem diferenciada das adeptas do
candomblé, em relação ao casamento. Landes conviveu muitos meses com Mãe Menininha e
diz a seu respeito que apesar de ela ter um companheiro fixo, o advogado Álvaro MacDowell
de Oliveira, ela optou por não se casar.163
Menininha não se casou legalmente com ele pelas mesmas razões por que as
outras mães e sacerdotisas não se casavam. Teria perdido muito. De acordo
com as leis daquele país católico e latino, a esposa deve submeter-se
inteiramente à autoridade do marido. Quão incompatível é isto com as crenças
e a organização do candomblé! Quão inconcebível para a dominadora
autoridade feminina! (LANDES, 1967, p. 164).
O matrimônio não é tão estimulado porque o culto exige responsabilidade e dedicação
que muitos maridos não aceitam e deve haver prioridade do orixá sobre o marido, o que é
repetido inúmeras vezes pelos pais e mães de santo nos terreiros. Esse argumento foi,
inclusive, bastante mencionado por mãe Menininha, segundo Landes.
A visão do feminino entre os adeptos do candomblé e da umbanda, não é só positiva.
Como mencionamos no início do texto, entrelaçamento de temas como religião, gênero, etnia
e classe podem denunciar estados de estigma muito dolorosos. Podemos iniciar falando do
preconceito em função da religião, por se tratar de práticas de possessão e poder que não se
guiam pela ortodoxia religiosa e moral.
Segundo a pesquisa realizada mencionada anteriormente, as religiões afro-pessoenses
predominam em bairros pobres (entre os 28 terreiros visitados, a maioria localiza-se em
bairros populares), o que nos dá elementos para discutir gênero e classe. Nesses espaços,
prevalece o tipo de mulher que é responsável pelo sustento da família. Ali há muita
rotatividade entre casais e o homem não assume o papel de responsável pela sobrevivência da
família, cabendo à mulher essa função. Conhecemos vários exemplos de famílias chefiadas
por mulheres, principalmente nas classes mais carentes. Percebemos assim, uma redefinição
das identidades de gênero, uma redefinição do que se espera que homens e mulheres façam
socialmente.
Religião afro-brasileira e condição econômica menos abastada se cruzam nesse ponto,
pois alguns autores colocam também esse grupo religioso configurando uma classe específica
e menos favorecida economicamente (ver BRANDÃO, 1980). É claro que as categorias não
se fecham e existem, como pude verificar em João Pessoa, pais e mães de santo com
empregos de maior status e alto grau de escolaridade. Não obstante, a religião ainda
predomina – como também pude perceber na pesquisa – em quantidade de terreiros que estão
situados em áreas periféricas. Sendo de tal modo superior o número de adeptos(as) do culto
que são menos favorecidas economicamente. Oliveira (2003) fala sobre um ponto positivo
para essas mulheres: o status que a religião lhes confere; já que são estigmatizadas
duplamente, primeiro pela condição social, e depois, pela sua crença religiosa.
Até agora foi abordada aqui a visão predominante no candomblé e, já que nos detivemos
mais nos aspectos históricos isso se justifica, pois o candomblé foi possui expressão
significativa da religiosidade afro-brasileira. É relevante lembrar que os primeiros estudiosos
do assunto pegaram como modelo empírico o candomblé da Bahia. Já que esse se
transformou no modelo teórico seguido pela maioria dos pesquisadores do assunto, houve a
necessidade (já que muitos deles fundamentaram teoricamente também essa pesquisa) de nos
basearmos também nesse modelo.
Assim, adentramos o universo das religiões afro-brasileiras, focando no papel que a
mulher desempenha nessas religiões. Percebemos que esse papel se diferencia do que
predomina na sociedade global, onde existe uma afirmação sociocultural da masculinidade,
que passa pelo exercício do poder do homem sobre a mulher e os filhos, e as religiões têm
colaborado com a reprodução dessa representação social da masculinidade. Porém, nas
religiões afro-brasileiras isso se dá de forma diferente e essa diferença se justifica
historicamente, já que desde a África, as mulheres eram incentivadas a serem autônomas, 164
principalmente no que diz respeito ao aspecto econômico. Isso interferiu na maneira como
essas mulheres levaram suas vidas, depois que vieram para o Brasil.
Apesar disso, percebemos também que, mesmo com o poder social e político das líderes
de terreiro (principalmente as baianas), não há na maneira de pensar o mundo do grupo
religioso em questão, ausência dos valores androcêntricos e uma visão de hierarquia de
gêneros. Mas não poderia ser de outra forma, já que esses princípios predominam na
sociedade em geral e o grupo religioso nela está inserido e por ela é, naturalmente,
influenciado. Esse tipo de pensamento está realmente presente em vários discursos a que
tivemos acesso. Dessa forma constatamos que, apesar de nas religiões afro-brasileiras o
número de adeptas ser bem superior ao de homens (se destacando em cargos de liderança), e
desse fenômeno se diferenciar em comparação às outras religiões, os valores tradicionais da
sociedade patriarcal acabam invadindo e se manifestando nesses espaços, nos quais, de forma
notória, se exprime, no ideal, uma negação dos princípios oficiais vigentes, mas que não se
desvinculam completamente destes princípios, uma vez que neles estão inseridos. Nossa
sociedade é de tradição extremamente conservadora, machista e permeada pela moral judaicocristã. As identidades sexuais e de gênero transitam entre a adesão à norma sexual e de gênero
dominante e a sua transgressão.
Quero esclarecer que falamos de passado e de presente. São hábitos que continuam se
mantendo, claro que em constante mudança, pois são religiões de muita vitalidade. Mas
persistem costumes que revelam um tipo de fé que foge à regra, onde mulheres não costumam
ocupar a posição tradicional de subserviência dócil (se bem que, como vimos, mesmo os
cultos tratados aqui não fogem totalmente a essas regras), tão comumente exercida em setores
diversos, inclusive no religioso.
Referências
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Eugênio Marcondes (Org.). Candomblé: Religião do corpo e da alma: tipos psicológicos
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BASTOS, Ivana S. O perfil dos terreiros de João Pessoa. Relatório 2008. João Pessoa:
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BIRMAN, Patrícia. Transas e Transes: sexo e gênero nos cultos afro-brasileiros, um
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414, maio-agosto 2005. Disponível em: . Acesso
em: 23 ago. 2008.
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ABSTRACT
The feminine vision in the Afro-Brazilian Religions
Starting from research conducted in João Pessoa, the place that woman and the feminine
occupy in Afro-Brazilian religions, especially in candomblé, is discussed.
Keywords: Afro-Brazilian religions, gender, sexuality, power and class.
NOTAS

1
Este artigo é uma versão resumida de Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado em 2007 para obtenção do
título de bacharel em Ciências Sociais na UFPB. Agrega também contribuições da pesquisa de Iniciação
Científica, da qual a autora foi bolsista do CNPq no mesmo ano. (Pesquisa intitulada: “Os Terreiros de João
Pessoa, coordenada pelo prof. Giovanni Boaes do Departamento de Ciências Sociais da UFPB).
2
Bacharel em Ciências Sociais, aluna de licenciatura em Ciências Sociais e mestranda em sociologia, todos pela
UFPB.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Música de fé, música de vida: A música sacra do candomblé e seu trasbordamento na cultura popular brasileira

Música de fé, música de vida:

A música sacra do candomblé e seu trasbordamento
na cultura popular brasileira

Reginaldo Prandi

Universidade de São Paulo

rprandi@usp.br




Texto publicado como Capítulo 8 (Música sacra e música popular) do livro:

Prandi, Reginaldo -- Segredos guardados: orixás na alma brasileira.

São Paulo, Companhia das Letras, 2005, págs. 175-187.

I


Durante quase quatro séculos, negros africanos foram caçados e levados ao Brasil para trabalhar como escravos. Separados para sempre de suas famílias, de seu povo, do seu solo (de fato apenas alguns poucos conseguiram retornar depois da abolição da escravidão), os africanos foram aos poucos se adaptando a uma nova língua, novos costumes, novo país. Foram se misturando com os brancos europeus colonizadores e com os índios da terra, formando a população brasileira e sua cultura. Como aconteceu em outros países da América, a contribuição dos africanos na formação do Brasil foi essencial tanto na composição física da população quanto na conformação do que viria a ser sua cultura, que inclui dimensões como língua, culinária, religião, música, estética, valores sociais e estruturas mentais. Muitos foram os povos africanos representados na formação brasileira, os quais podem ser classificados em dois grandes grupos lingüísticos: os sudaneses e os bantos.

São chamados sudaneses os povos situados nas regiões que hoje vão da Etiópia ao Chade e do sul do Egito a Uganda, mais o norte da Tanzânia. Seu subgrupo denominado sudanês central é formado por diversas etnias que abasteceram de escravos o Brasil, sobretudo os povos localizados na região do Golfo da Guiné, povos que no Brasil conhecemos pelos nomes genéricos de nagôs ou iorubás (mas que compreendem vários grupos de língua e cultura iorubá, entre os quais os das cidades ou regiões de Oió, Queto, Ijebu, Egbá, Ifé, Oxogbô, Ijexá etc.), os fons ou jejes (que congregam os daomenaos e os mahis, entre outros), os haussás, famosos, mesmo na Bahia, por sua civilização islamizada, mais outros grupos que tiveram importância menor na formação de nossa cultura, como os grúncis, tapas, mandingos, fantis, achantis e outros não significativos para nossa história. Para enfatizar a especificidade de cada uma dessas culturas ou subculturas, talvez seja suficiente lembrar que duas das cidades iorubás ocupam papel especial na memória da cultura religiosa que se reproduziu no Brasil: Oió, a cidade de Xangô, e Queto, a cidade de Oxóssi, além de Abeocutá, centro de culto a Iemanjá, e Ilexá, a capital da sub-etnia ijexá, de onde são provenientes os cultos a Oxum e Logum Edé.

Os bantos, habitantes da África Meridional, estão representados por povos que falam entre 700 e duas mil línguas e dialetos aparentados, estendendo-se para o sul, logo abaixo dos limites sudaneses, até o cabo da Boa Esperança, compreendendo as terras que vão do Atlântico ao Índico. Os bantos trazidos para o Brasil eram falantes de várias dessas línguas, sobressaindo-se, principalmente, os de língua quicongo, falada no Congo, em Cabinda e em Angola; o quimbundo, falado em Angola acima do rio Cuanza e ao redor de Luanda; e o umbundo, falada em Angola, abaixo do rio Cuanza e na região de Benguela. A importância dos grupos falantes dessas três línguas na formação do Brasil pode ser aferida pela quantidade de termos que a língua portuguesa aqui falada deles recebeu (Castro, 2001), além de outras contribuições nada desprezíveis, como a própria música popular brasileira.

As diferentes etnias chegaram ao Brasil em distintos momentos, predominando os bantos até o século XVIII e depois os sudaneses, sempre ao sabor da demanda por mão-de-obra escrava que variava de região para região, de ocordo com os diferentes ciclos econômicos de nossa história, e do que se passava na África em termos do domínio colonial europeu e das próprias guerras inter-tribais exploradas, evidentemente, pelas potências coloniais envolvidas no tráfico de escravos. Nas últimas décadas do regime escravista, os sudaneses iorubás eram predominantes na população negra de Salvador, a ponto de sua língua funcionar como uma espécie de língua geral para todos os africanos ali residentes, inclusive bantos (Rodrigues, 1976). Nesse período, a população negra, formada de escravos, negros libertos e seus descendentes, conheceu melhores possibilidades de integração entre si, com maior liberdade de movimento e maior capacidade de organização. O cativo já não estava preso ao domicílio do senhor, trabalhava para clientes como escravo de ganho, e não morava mais nas senzalas isoladas nas grandes plantações do interior, mas se agregava em residências coletivas concentradas em bairros urbanos próximos de seu mercado de trabalho. Foi quando se criou no Brasil, num momento em que tradições e línguas estavam vivas em razão de chegada recente, o que talvez seja a reconstituição cultural mais bem acabada do negro no Brasil, capaz de preservar-se até os dias de hoje: a religião afro-brasileira (Prandi, 2000). E como parte integrante do culto, e ao mesmo tempo como elemento constitutivo do cotidiano do negro, preservou-se no Brasil um dos mais ricos filões culturais da África: a música, mais especificamente, a música sacra, com seus ritmos, instrumentos e formas de composição poética.

Assim, em diversas cidades brasileiras da segunda metade do século XIX, surgiram grupos organizados que recriavam no Brasil cultos religiosos que reproduziam não somente a religião africana, mas também outros aspectos da sua cultura na África. Nascia a religião afro-brasileira dos orixás, voduns e inquices, chamada candomblé primeiro na Bahia e depois pelo país afora, tendo também recebido nomes locais, como xangô em Pernambuco, tambor-de-mina no Maranhão, batuque no Rio Grande do Sul. Os principais criadores dessas religiões foram negros das nações iorubás ou nagôs, especialmente os provenientes de Oió, Lagos, Queto, Ijexá, Abeocutá e Iquiti, e os das nações fons ou jejes, sobretudo os mahis e os daomeanos. Floresceram na Bahia, em Pernambuco, Alagoas, Maranhão, Rio Grande do Sul e, secundariamente, no Rio de Janeiro. Embora tenha também surgido e se mantido uma religião equivalente por iniciativa de negros bantos, a modalidade banta lembra muito mais uma adaptação das religiões sudanesas do que propriamente cultos da África Meridional, tanto em relação ao panteão de divindades como no que respeita às cerimônias e aos procedimentos iniciáticos.

Se é verdade que os bantos copiaram a religião dos iorubás, religião dos orixás que aqui se reconstituiu com muitas influências da religião dos voduns dos fons e com muitas agregações sincréticas tomadas do catolicismo, se os bantos adotaram os orixás iorubanos, que eles chamaram pelos nomes dos esquecidos inquices, suas divindades bantas originais, se eles incorporaram os ritos de iniciação, a forma ritual das celebrações e a organização sacerdotal dos grupos de origem sudanesa, sua música sacra logrou, contudo, manter-se mais próximas às raízes bantas, com ritmos próprios e modos de percussão muito distintos daqueles preservados nos grupos de culto sudaneses, chamados candomblé queto, alaqueto ou jeje-nagô. Entoando letras em língua ritual de origem banta, hoje muito deturpada e misturada com palavras do português, soando os tambores com as palmas das mãos e dedos, enquanto os iorubás e fons-descendentes o fazem com varetas, os candomblés angola e congo, como são chamados os templos bantos, cantam um tipo de música que soa muito familiar aos ouvidos dos não-iniciados. Pois foi justamente da música sacra desse candomblé banto que mais tarde se formou, no plano da cultura profana do Rio de Janeiro, um gênero de música popular que veio a ser uma importante fonte da identidade nacional brasileira nos decisivos anos 30 do século XX: o samba.

Por muito tempo o candomblé e as outras formas regionais de culto afro-brasileiro permaneceram mais ou menos confinados a seus locais de origem. Mas logo no início, com o fim da escravidão, muitos negros haviam migrado da Bahia para o Rio de Janeiro, levando consigo sua religião de orixás, de modo que na então capital do país reproduziu-se um vigoroso candomblé de origem baiana, que se misturou com formas de religiosidade negra locais, todas eivadas de sincretismos católicos, e com o espiritismo kardecista, originando-se a chamada macumba carioca e pouco mais tarde, nos anos 20 e 30 do século passado, a umbanda. A umbanda e o samba constituíram-se mais ou menos na mesma época, ambos frutos do mesmo processo de valorização da mestiçagem que caracterizou aqueles anos e de construção de uma identidade mestiça para o Brasil que então se pretendia projetar como um estado nacional moderno, uma sociedade grande e homogênea, e por isso mesmo mestiça, o "Brasil Mestiço, onde a música samba ocupa lugar de destaque como elemento definidor da nacionalidade", nas palavras de Hermano Vianna (1995: 20).

Mais tarde, no final anos 60 e começo dos 70, iniciou-se junto às classes médias do Sudeste a recuperação das nossa raízes culturais, reflexo de um movimento cultural muito mais amplo, que, nos Estados Unidos e na Europa, e daí para o Brasil, questionava as verdades da civilização ocidental, o conhecimento universitário tradicional, a superioridade dos padrões burgueses vigentes, os valores estéticos europeus, voltando-se para as culturas tradicionais, sobretudo as do Oriente, e buscando novos sentidos nas velhas subjetividades, em esquecidos valores e escondidas formas de expressão. No Brasil verificou-se um grande retorno à Bahia, com a redescoberta de seus ritmos, seus sabores culinários e toda a cultura dos candomblés. As artes brasileiras em geral (música, cinema, teatro, dança, literatura, artes plásticas) ganharam novas referências, o turismo das classes médias do Sudeste elegeu novo fluxo em direção a Salvador e demais pontos do Nordeste. O candomblé se esparramou muito rapidamente por todo o país, deixando de ser um religião exclusiva de negros, a música baiana de inspiração negra fez-se consumo nacional, a comida baiana, nada mais que comida votiva dos terreiros, foi para todas a mesas, e assim por diante (Prandi, 1991). Ia se completando, agora de modo escancarado, uma retomada da influências africanas na cultura brasileira, a partir dos terreiros de candomblé, que lá pelos anos 20 e 30 já tinha dado à luz, sem dizer exatamente de onde vinha, a música popular brasileira considerada a mais legítima.

II


Para os negro-africanos a música tem talvez um sentido mais amplo do que aquele que lhe é atribuído no Ocidente. Não é simplesmente consumo estético para a fruição de sentimentos e emoções. É isso também, mas também é mais. O antropólogo Kasadi wa Mukuna explica que para o africano o som é movimento, comunicação: "A música fornece um canal de comunicação entre o mundo dos vivos e dos espíritos e serve como meio didático para transmitir o conhecimento sobre o grupo étnico de uma geração para outra" (Mukuna, apud Barbara, 2001: 125). A música africana é ritmo, ritmo de tambor, é som provido de sentido. Susanna Barbara explica que "o som, no candomblé, é o resultado de uma interação dinâmica entre as vibrações que se propagam do tambor percutido pelos alabês (os sacerdotes-músicos); o som então é entendido como condutor de axé (força sagrada), vislumbrando-se a força simbólica dos instrumentos musicais considerados sagrados. Entramos, assim, no campo das percepções estéticas que são opostas às do Ocidente, onde se entende o conceito de ritmo e de sua transformação em movimento apenas como uma organização temporal da música ou da poesia. Já na cultura africana, o ritmo significa 'impulso' e cria movimento, como diz Angela Lühning (2000), algo tanto material quanto ideal" (Barbara, 2001: 125-127).

A música de candomblé, que é música africana aclimatada no Brasil, é basicamente ritmo. Ritmos intensos produzidos por tambores que há muito extravasaram os portões dos terreiros santos para invadir ruas e avenidas da cidade profana, no carnaval e fora dele. Diz o senegalês Leopold Senghor que "o ritmo é a arquitetura do ser humano, a dinâmica interna que lhe dá forma. O ritmo se expressa através de meios os mais materiais, através de linhas, cores, superfícies e formas de pintura, nas artes plásticas e na arquitetura. Através dos acentos na poesia e na música; através dos movimentos da dança. Com esses meios o ritmo reconduz tudo no plano espiritual: na medida em que ele sensivelmente se encarna, o ritmo ilumina o espírito" (Senghor, 1956: 60).

O componente essencial da música africana e, por conseguinte, da afro-brasileira é sem dúvida a percussão rítmica. Nos terreiros de candomblé de tradição iorubá, fon e banta, toda a música se conduz por meio de três atabaques, tambores de uma só pele e de três tamanhos, chamados na maioria dos terreiros por sua designação em língua fon: rum (tambor), rumpi (segundo tambor) e lé (pequeno). A "orquestra" do candomblé se completa com o agogô, campainha metálica dupla, e o xequerê, chocalho formado de uma teia de contas cobrindo uma cabaça. Os ritmos tocados nas cerimônias chegam a vinte modalidades, cada um dedicado a uma divindade ou a uma situação ritual específica. Para se invocarem os deuses e os agradar é preciso, antes de mais nada, conhecer seus ritmos próprios. A música também é parte da identidade de cada orixá, além das cores, comidas, colares de contas, ferramentas e outros objetos. O ritmo da música de Iansã, deusa dos ventos, só pode ser o espalhafato da tempestade que se aproxima, o de Xangô nos dá a idéia da fúria dos trovões, o ritmo de Iemanjá, a senhora do mar, traduz o vai-e-vem ininterrupto das ondas do mar, o de Ogum, orixá da guerra, deve reproduzir o mesmo arrepio provocado pelo avançar dos exércitos, o de Oxum, divindade da beleza, do amor e da vaidade, só pode transmitir sensualidade e as sensações da sedução, e assim por diante. Cada deus, uma dimensão da vida; cada deus, um ritmo. Não poucos autores, como Susanna Barbara, consideram o ritmo dessa música, que, lembremos, serve em grande parte para controlar o transe nas danças rituais, como uma espécie de "energia cinética, energia que capta e propulsiona a vibração do movimento pessoal e do outro" (Barbara, 2001: 127).

III


O mito que fala da criação da religião dos orixás ensina que louvar os deuses é cantar para eles e fazê-los dançar junto aos humanos. A união dos homens com os deuses se realiza ritualmente numa assembléia de confraternização presidida pelos toques dos tambores, em que ritmos, melodias e letras, sobretudo ritmos, servem para chamar as divindades e fazer com que elas possam ao menos momentaneamente conviver com os homens e mulheres, dos quais foram separados desde os tempos primordiais da Criação. Para a mitologia iorubana preservada no Brasil na cultura religiosa dos terreiros de orixás, houve um tempo em que homens e deuses viviam em mundos não separados. Na versão de Mitologia dos orixás assim diz esse mito:

"No começo não havia separação entre

o Orum, o Céu dos orixás,

e o Aiê, a Terra dos humanos.

Homens e divindades iam e vinham,

coabitando e dividindo vidas e aventuras.

Conta-se que, quando o Orum fazia limite com o Aiê,

um ser humano tocou o Orum com as mãos sujas.

O céu imaculado do Orixá fora conspurcado.

O branco imaculado de Obatalá se perdera.

Oxalá foi reclamar a Olorum.

Olorum, Senhor do Céu, Deus Supremo,

irado com a sujeira, o desperdício e a displicência dos mortais,

soprou enfurecido seu sopro divino

e separou para sempre o Céu da Terra.

Assim, o Orum separou-se do mundo dos homens

e nenhum homem poderia ir ao Orum e retornar de lá com vida.

E os orixás também não podiam vir à Terra com seus corpos.

Agora havia o mundo dos homens e o dos orixás, separados.

Isoladas dos humanos habitantes do Aiê, as divindades entristeceram.

Os orixás tinham saudades de suas peripécias entre os humanos

e andavam tristes e amuados.

Foram queixar-se com Olodumare, que acabou consentindo

que os orixás pudessem vez por outra retornar à Terra.

Para isso, entretanto, teriam que tomar o corpo material de seus devotos.

Foi a condição imposta por Olodumare

Oxum, que antes gostava de vir à Terra brincar com as mulheres,

dividindo com elas sua formosura e vaidade,

ensinando-lhes feitiços de adorável sedução e irresistível encanto,

recebeu de Olorum um novo encargo:

preparar os mortais para receberem em seus corpos os orixás.

Oxum fez oferendas a Exu para propiciar sua delicada missão.

De seu sucesso dependia a alegria dos seus irmãos e amigos orixás.

Veio ao Aiê e juntou as mulheres à sua volta,

banhou seus corpos com ervas preciosas,

cortou seus cabelos, raspou suas cabeças,

pintou seus corpos.

Pintou suas cabeças com pintinhas brancas,

como as pintas das penas da conquém,

como as penas da galinha-d'angola.

Vestiu-as com belíssimos panos e fartos laços,

enfeitou-as com jóias e coroas.

O ori, a cabeça, ela adornou ainda com a pena ecodidé,

pluma vermelha, rara e misteriosa do papagaio-da-costa.

Nas mãos as fez levar abebés, espadas, cetros,

e nos pulsos, dúzias de dourados indés.

O colo cobriu com voltas e voltas de coloridas contas

e múltiplas fieiras de búzios, cerâmicas e corais.

Na cabeça pôs um cone feito de manteiga de ori,

finas ervas e obi mascado,

com todo condimento de que gostam os orixás.

Esse oxo atrairia o orixá ao ori da iniciada e

o orixá não tinha como se enganar em seu retorno ao Aiê.

Finalmente as pequenas esposas estavam feitas,

estavam prontas, e estavam odara.

As iaôs eram a noivas mais bonitas

que a vaidade de Oxum conseguia imaginar.

Estavam prontas para os deuses.

Os orixás agora tinham seus cavalos,

podiam retornar com segurança ao Aiê,

podiam cavalgar o corpo das devotas.

Os humanos faziam oferendas aos orixás,

convidando-os à Terra, aos corpos das iaôs.

Então os orixás vinham e tomavam seus cavalos.

E, enquanto os homens tocavam seus tambores,

vibrando os batás e agogôs, soando os xequerês e adjás,

enquanto os homens cantavam e davam vivas e aplaudiam,

convidando todos os humanos iniciados para a roda do xirê,

os orixás dançavam e dançavam e dançavam.

Os orixás podiam de novo conviver com os mortais.

Os orixás estavam felizes.

Na roda das feitas, no corpo das iaôs,

eles dançavam e dançavam e dançavam.

Estava inventado o candomblé" (Prandi, 2001: 526-528).

O mito certamente é uma justificativa do candomblé como religião que se faz com música e dança. Justifica porque o candomblé é uma religião dançante. Ele descreve uma cerimônia de iniciação e enfatiza a importância da música, dos ritmos, dos tocadores. Nessa religião, oferece-se aos deuses tudo o que sustenta a vida dos humanos e lhes dá prazer: comida, bebida, música, dança. Mas a música preside todos os atos religiosos e não somente a dança. O gesto da oferenda, seja sacrifício sangrento de animais, seja a comida preparada com vegetais, se anuncia, se prepara e se completa ao som da música ritual. Acorda-se cantando, saúdam-se os vivos e os mortos cantando, passa-se pela iniciação sacerdotal, em suas múltiplas e complexas etapas, ao som das cantigas sagradas. Nada se faz sem se cantar. Canta-se para tudo no candomblé (Lühning, 2000). É muito grande e variado o repertório musical numa comunidade de candomblé, formado de não menos de três mil cânticos, tudo aprendido de cor, como manda a tradição, embora já existam hoje disponíveis em livros várias coletâneas de hinos sacros, de diferentes nações, organizadas tanto por pesquisadores como por religiosos, como os livros de José Flávio Pessoa de Barros (1999, 2000), José Jorge de Carvalho (1993), Reginaldo Gil Braga (1998) e Altair B. de Oliveira (1993), entre outros.

IV


Um dos componentes mais importantes do saber religioso no candomblé consiste no conhecimento e domínio do seu vastíssimo repertório musical. Poderíamos dizer que para cada gesto há no candomblé uma correspondente cantiga. Para tudo se canta. Para acordar, para dormir. Para tomar banho, para comer. Para ir à rua e chegar à casa. Canta-se para colher as folhas sagradas no mato, folhas tão essenciais para a manipulação mágica do axé, a força sagrada da vida, e para cada folha uma cantiga específica. Canta-se para benzer o enfermo e nos trabalhos de limpeza ritual do corpo e da alma. Para invocar os benfazejos ancestrais e para afastar os maus espíritos. Para realizar os sacrifícios, para oferecer as comidas. Canta-se para a faca que mata o animal votivo, para a canjica que se deposita ao pé do altar, para o fogo que alumia os santos. Para a luz do dia e o escuro da noite, para que o amanhã sempre volte a acontecer. Para a terra, para a chuva e para o vento, para que a vida seja menos dura. Canta-se para os caminhos, para que se abram. Para os feitiços, para que funcionem. Para o oráculo, para que deixe os deuses falarem na caída dos búzios. Na iniciação, ou feitura de santo, canta-se para banhar o iniciado, para raspar seus cabelos, para abrir as incisões no crânio, tronco e membros; canta-se para pintar o corpo do filho-de-santo, para colocar seus colares, para depositar na cabeça o cone mágico que atrai o orixá, para enfeitar sua testa com a pena do papagaio vermelho; canta-se para sacrificar ao orixá daquele filho que está nascendo. Cada coisa com sua cantiga própria, o repertório parece interminável. Nas cerimônias públicas, canta-se para que os deuses venham conviver com os mortais durantes os toques no barracão dos terreiros. Canta-se para que os orixás em transe sejam levados do barracão para serem vestidos com seus paramentos e se canta para trazê-los de volta ao público. No barracão festivo, canta-se para que os orixás dancem, cada qual com seu ritmo, cada um com seu hinário próprio e coreografia característica. Canta-se depois, quando eles vão embora, deixando o corpo das filhas-de-santo, exaustas, acordadas de seu transe dançante. Depois, quando os ritos estão concluídos, quando a fome aperta e o cansaço domina as pernas das dançantes, quando já doem os braços dos tocadores e as gargantas já estão roucas de tanto cantar, é hora do ajeum, da comida, da festa profana. Cada um se farta com a comida dos deuses, as forças se refazem, e a música sacra dá lugar à música profana, porque é hora de relaxar, hora de diversão, tempo de missão cumprida. Os deuses já se foram, satisfeitos, a distração agora é dos humanos, nada melhor que o lazer feito de música.

No candomblé, como na África ancestral, canta-se para a vida e a morte, para os vivos e os motos. Canta-se para o trabalho e a comida que vencem a fome. Canta-se para reafirmar a fé, porque cantar é celebração, é reiteração da identidade. Mas também se canta pelos simples ócio. Canta-se pela liberdade. E porque isso merece sempre ser cantado, canta-se para que se mantenha sempre vivo o sonho.

Nas palavras da etnomusicóloga Angela Lühning, "a música no candomblé, que tem uma posição chave no conjunto de dança, mito e rito, segue um certo sistema tradicional no desenvolvimento de uma festa. Cada momento específico é acompanhado por uma cantiga adequada ou um tipo de cantiga. A função primordial da música é fazer os orixás se apresentarem aos seus descendentes, manifestando-se em seus corpos, e dançarem. A música não dançada nos rituais preliminares possibilita uma preparação para que isso tudo se dê nas festas públicas. Porém, a música tem também uma grande importância fora das festas públicas e das cerimônias não-públicas: ela faz parte da vida cotidiana das pessoas iniciadas. Ela ultrapassa o momento da cerimônia religiosa, liga o ritual sagrado ao profano e expressa emoções muito fortes em momentos agradáveis e difíceis. Assim a música se torna o coração do candomblé, tanto nas festas públicas, em que não há orixá sem dança (e não há dança sem música), quanto na vida cotidiana das filhas-de-santo, em que a música -- especialmente as cantigas de fundamento e as rezas -- expressa e alivia as emoções mais fortes" (Lühning, 1990: 115).

V


No alvorecer século do XX, sem esconder seu profundo preconceito, o jornalista João do Rio mostrou que havia muitos candomblés funcionando na cidade do Rio de Janeiro. Dentre os nomes de líderes negros por ele listados, há pais e mães-de-santo provenientes da Bahia e outros da África (Rio, 1906). Havia o caso do africano Cipriano Abedé, que veio a completar a iniciação de Agenor Miranda Rocha, o mais conhecido adivinho do candomblé, hoje com 93 anos de idade, nascido em Angola de pais portugueses e criado em Salvador, onde fez o santo com mãe Aninha Obabií, fundadora dos terreiros Axé Opô Afonjá de Salvador e do Rio de Janeiro. E o caso de uma mãe-de-santo baiana que veio a se tornar figura emblemática da história não do candomblé, mas do samba, a tia Ciata. Já durante as três primeiras décadas do século passado, a presença no Rio de sacerdotes do candomblé baiano era tão grande que a maioria dos terreiros importantes da Bahia mantinha na capital federal alguma espécie de filial, como podemos saber pelos relatos que Ruth Landes nos oferece de suas visitas aos candomblés de Salvador em meados dos anos 30 (Landes, 1967).

Desde o final do século XIX havia grande concentração de negros em toda a região do porto do Rio: Praça Quinze, Saúde, Gamboa, Santo Cristo. Logo depois foram chegando os migrante baianos, concentrados no Morro da Conceição e depois na Cidade Nova, formando-se o que Roberto Moura (1985) chamou de Pequena África (Lopes, 1992: 7-10; Carvalho, 2000). Morando primeiro na rua da Alfândega e depois na Cidade Nova, tia Ciata, Hilária Batista de Almeida, reunia em sua casa, lá pelos anos 20, grande número de músicos negros, muitos deles ligados ao candomblé, como ela. A música que ali se fazia nada mais era que o desenrolar profano da música sacra dos inúmeros terreiros freqüentados por esses músicos, dos quais alguns, pais-fundadores do samba, tomavam parte ativamente como dignitários e tocadores. Sambistas como Donga, João da Baiana, ambos filhos de baianas, e Pixinguinha fazem parte dessa história. E eram participantes do candomblé, assim como figuras como Amor (Getúlio Marinho da Silva), que juntamente com Mano Elói e o Conjunto Africano, gravou em 1930, na Odeon, um disco de músicas de macumba, o candomblé-umbanda da época. Nascido em Salvador, Amor vivia no Rio de Janeiro desde os seis anos de idade. Era um grande tocador de omelê, a antiga cuíca, freqüentador de terreiros de candomblé e participante dos ranchos carnavalesco precursores das atuais escolas de samba (Zan, 1996).

Candomblé, samba e carnaval, tudo girava num eixo comum da cultura afro-brasileira: a música. Em casas como a de Ciata conviviam a música sacra dos toques de candomblé; o gênero musical conhecido como choro, tocado com flauta, violão e cavaquinho; e, no quintal, o samba de roda trazido da Bahia. Com as reformas urbanas do começo do século e a destruição dos antigos bairros negros do Rio, os negros já tinham em boa parte ido para os morros, levando com eles o samba nascente. "Foi nesse contexto", diz José Jorge Carvalho, "que Donga e outros músicos viveram, realizando uma fusão do samba de roda com a tradição ibérica de harmonia e arranjo instrumental já desenvolvidos no choro e outros gêneros de ascendência portuguesa mais evidente" (Carvalho, 2000: 37).

Até os anos 20 o samba carioca ainda era considerado música de negros, embora a adoção de instrumentos do jazz por músicos como Pixinguinha já o distanciasse ainda mais da música de terreiro. No final dos anos 30, jovens brancos de classe média, como Noel Rosa, Braguinha e Almirante, conhecidos como a turma de Vila Isabel, tiveram participação decisiva na transformação do samba no gênero capaz de servir como um dos símbolos mais marcantes da identidade nacional que então se forjava. As rádios do Rio de Janeiro e sua indústria fonográfica impunham a todo o Brasil um tipo de música que já nem era mais negra nem era mais do morro carioca, mas a música da cidade, a música do Brasil.

Em 1917, Donga, da turma de Ciata, gravou Pelo telefone, que é considerado o primeiro samba a ser gravado. Uma das estrofes desse samba primordial diz: "Tomara que tu apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/ Depois fazer teu feitiço". Músicos, cantores e compositores partilhavam um mesmo universo cultural e falar de fazer feitiço para conquistar um amor não soava nada estranho. Mas parece que o apagamento da filiação do samba ao mundo dos terreiros já era então uma preocupação de compositores que elaboravam um estilo de música mais voltado para a sociedade branca, mais livre das amarras das raízes negras, o samba urbano dos compositores da Vila Isabel, em oposição ao chamado samba de morro. A propósito, em 1933, Noel Rosa, no samba Feitiço da Vila, com música do paulista Vadico, diz: "A Vila [Vila Isabel] tem um feitiço sem farofa/ Sem vela e sem vintém/ Que nos faz bem/ Tendo o nome de princesa/ Transformou o samba/ Num feitiço decente/ Que prende a gente." Ou seja, a letra enaltecia um tipo de samba sem referências ao universo dos feitiços que pressupõem o despacho característico das religiões afro-brasileiras (oferenda de farofa, velas, moedas). Tudo para dizer que: "A Vila não quer abafar ninguém/ Só quer mostrar que faz samba também", embora pretendesse fazer do samba uma música de feitiço decente.

O samba então já existia por si mesmo, música brasileira genuína. Mudou muito desde os velhos tempos de Ciata, Donga, João da Baiana, Pixinguinha. Chegou a se transformar em música universal, música para todos os mercados do mundo. Nos terreiros, a música dos orixás nunca deixou de ser tocada, cantada, dançada. Seu transbordamento para a cultura popular brasileira não arrefeceu o ritmo dos tambores sagrados. Por todo o Brasil, na roda de santo dos terreiros, nas celebrações públicas dos orixás, as filhas-de-santo momentaneamente transmutadas em seus orixás pelo poder mágico do transe continuam a seguir o ritmo frenético dos atabaques, a dançar, a dançar, a dançar.


Referências bibliográficas


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Reginaldo Prandi é Professor Titular de Sociologia da Universidade de São Paulo. Em 2001 recebeu o Prêmio Érico Vannucci Mendes, outorgado pelo CNPq, SBPC e Minc, pela sua contribuição à preservação da memória cultural afro-brasileira, e o Prêmio União na Diversidade, conferido pelo Intecab, Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira. Em 2002 teve dois livros indicados para o Prêmio Jabuti: Mitologia dos orixás, na categoria ciências humanas, e Os príncipes do destino, na categoria infanto-juvenil. Publicou também outros livros, como Os candomblés de São Paulo, Herdeiras do axé, Um sopro do Espírito, A realidade social das religiões no Brasil, este em co-autoria com Antônio Flávio Pierucci, Encantaria brasileira, do qual é organizador, e Ifá, o Adivinho.